4/30/2007

O compositor na cidade

Dia 2 de Maio, no CCB, pelas 21h. Concerto da ORCHESTRUTOPICA, que apresenta um programa concebido por Augusto M. Seabra.

Merece o chavão: a não perder!

Está tudo aqui, no blog da OU.

4/26/2007

Isto sim importa

1. Já está disponível o regulamento para 2007 do Prémio Jovens Músicos. Este ano inclui, pela primeira vez, uma categoria dedicada à voz e recupera outras que tinham sido um pouco preteridas (por exemplo, percussão). Pode ser lido aqui.

2. Amanhã: o grupo vocal Mediaevox Ensemble apresenta-se em Mafra pelas 19h. Será transmitido em directo pela Antena 2. Ou seja, pode ser ouvido em qualquer cantinho do mundo.

3. Também amanhã pelas 19h: a Concerto European Ensemble Academy apresenta-se Fundação Calouste Gulbenkian Grande Auditório. Do programa, consta uma obra em estreia do meu caro Luís Pena.

4. Na quinta-feira, dia 3 de Maio, às 18h30, na Galeria 1 da Culturgest, irá ter lugar uma conversa com o artista André Guedes, vencedor do Prémio União Latina. Não tem a ver com música, mas acontece que tem uma das cabeças mais imaginativas e livres cuja obra tenho tido o prazer de desfrutar. Tinha-lhe perdido a pista, mas não me surprendeu que ganhasse o prémio. Parabéns.

5. Acabo de saber que a Chicago Symphony Orchestra vai incluir na programação da sua próxima temporada a peça Short Cuts C, de Luís Tinoco. Mais parabéns!

6. Ainda, Sérgio Azevedo estreia este fim de semana a Abertura Giocosa. Será tocada pela Orquestra do Algarve sob a batuta de Osvaldo Ferreira. E no Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas, serão escutadas as suas Cantigas de Bichos, na orquestração de Carlos Marecos, durante os dois primeiros fins de semana de Maio.

Si tus ojos divinos

Si tus ojos divinos
los verdes campos miran,
donde sueltos respiran
arroyos cristalinos,
que en la prisión encierra
de altivas peñas la importuna sierra.

¿Qué hará, Belilla hermosa,
el agua de este río
que de un valle sombrío
en los brazos reposa,
y de ellos a buscarte,
confusa al Tajo por tu ausencia parte?

No te hallará en los prados,
que matizar solías
en los alegres días
de flores coronados,
que a su fresca ribera
dieron tus pies segunda primavera.

Abrasados de celos
llorando están agora
tu soledad, señora,
las aves y los cielos,
y la florida vega
que entre olmos altos Manzanares riega.

El poema es de la autoría de Don Francisco de Borja y Aragón (1577-1658), Príncipe de Esquilache, el noble que amaba más la poesía que la política, y que, en consecuencia de ello, fue, como se diría hoy en día, una figura controvertida de su época. Está incluido en el "cancionero del Príncipe de Esquilache", grabado hace dos años bajo los auspicios de la Pontificia Universidad Católica de Chile. El mentor musicológico del proyecto fue mi colega Alejandro Vera, que es allí profesor y a quien encontré la semana pasada durante el congreso que organizamos en la Universidad de La Rioja, "En torno a Francisco Javier García Fajer".

El CD se titula Pajarillo que al alba, cita de uno de los poemas de Esquilache, y me da la impresión de que debe de ser un poco difícil de obtener por las vías habituales. Tiene valor histórico y también artístico. Sólo tiene el pequeño problema - creo que comprensible dado su origen académico - de que, desde el punto de vista técnico, no puede competir con las joyas sonoras a las que las etiquetas especializadas en música antigua (Alpha, por ejemplo) nos tienen habituados.

El poema fue puesto en música por Juan Blas de Castro, uno de los músicos recogidos en el célebre Cancionero de la Sablonara, y fue editada por Luis Robledo, quien es también autor de un estudio sobre el autor.

Ahora que ya no soy wagneriana, ha sido un placer reencontrarme a través de este CD con "nuestro" siglo XVII.

Eu também não volto a falar dos Dias da Música

Não pensava voltar a escrever sobre os Dias da Música porque, francamente, é um assunto que me aborrece e não me diz respeito. Porém, depois de ter lido, na última página do Público de terça-feira, um elogio a António Mega Ferreira apesar da derrapagem orçamental que apresentou o seu festival, para maior escárnio, editado juntamente com outro texto onde se acha o máximo que Nicolas Sarkozy tenha louvado a reforma da função pública liderada por José Sócrates em Portugal, não consegui resistir. Uma não é de pedra.

Entretanto, ontem achei piada a esta notícia do Diário de Notícias, publicada em 2006, onde se diz que o orçamento previsto para a Festa da Música nesse ano tinha sido de um milhão de euros, mas que, nas palavras de Mega Ferreira, “teve de haver reajustamentos de acordo com a nossa disponibilidade financeira, que é de 850 mil euros”.

Afinal, a Festa da Música de 2006 custou 850 mil euros, 1 milhão ou 1 milhão e 200 mil?

Pelos vistos, os Dias da Música custaram 600 mil. Isto é a metade de 1 milhão e 200 euros, mas é mais de dois terços de 850 mil. O Fliscorno fez algumas contas. O Henrique também, assinalando aliás que a derrapagem foi realmente do 50% se considerarmos que o orçamento inicialmente anunciado era de 400 mil euros… Em termos relativos, o preço dos Dias da Música disparar-se-ia se considerarmos o número de instrumentistas envolvidos em ambas as iniciativas (eis um resumo do programa da Festa em 2006, com um destaque para a particupação portuguesa) e tomarmos como critério o que efectivamente se pagou por cada concerto. Isto aconteceria inclusivamente se aceitarmos o orçamento do milhão e 200 mil euros.

Tal como o orçamento, também a questão do suposto "novo conceito" dos Dias da Música deveria ser tema de tertúlia blogosférica. Já disse que o assunto não me diz respeito: poderão comprovar que, na realidade, este post foi motivado por um certo desprendimento de matriz kantiana. Mega Ferreira disse na conferência de imprensa que todos nós tínhamos andado a confundir formato e conceito, que o que ele apresentou foi um novo conceito, o conceito próprio dos Dias da Música. É admirável e muito meritório que a equipa do CCB tenha conseguido montar o programa que foi oferecido em tão pouco tempo. Sobre isto não tenho nenhuma dúvida. Mas, por favor, não me digam que houve um "conceito" sobre o qual se fundamentaram as escolhas.

Há um aspecto que me interessa particularmente enquanto musicóloga. A programação da Festa da Música orientava-se por critérios de carácter vagamente historiográfico, pelo que a criação ulterior de discurso estava assegurada. Tinha, portanto, entre outras, uma evidente função pedagógica. Não oferecia apenas o prazer efémero da música ao vivo, mas a possibilidade real de aprender alguma coisa sobre a história da música em sentido lato, assim como sobre a história dos géneros musicais, da interpretação, do percurso dos próprios compositores. Colocava questões e dava perspectivas.

Asseguro-vos, meus caros contertúlios, que ter escutado no mesmo dia, por exemplo, as Variações sobre um tema de Paganini, de Rachmaninov, o Festim da Aranha, de Roussel, prelúdios de Debussy, obras de Chopin e a sonata de Liszt, o terceiro de Prokofiev, Frescobaldi e Bach entremeados por música techno, o terceiro de Beethoven… não leva, intelectualmente, a lado nenhum. As minhas escolhas foram, por força das minhas circunstâncias pessoais, 
pouco ponderadas. Mas, mesmo assim...

Querendo diferenciar os “Dias” (onde não há conceito para além do acaso temporal resultante de terem acontecido durante um fim de semana sessenta concertos nos quais trinta pianistas  tocaram o piano) da “Festa” (acho que a distância é evidente, não é preciso explicar a significação do termo quando associado à música clássica), banalizou-se o evento. Copiou-se a aparência (ou seja, o formato) e desintegrou-se o conceito original, é certo, mas este não chegou a ser verdadeiramente substituído por outro. E se o foi, sou tentada de dizer que foi apenas substituído pelo vazio.

Coisas como esta são as que explicam a decadência dos povos peninsulares.

Corei depois de ter escrito a anterior frase. Ainda bem que não penso voltar sobre este assunto.

4/23/2007

O meu calmo Dia da Música

Musicalmente, houve poucas surpresas nos Dias da Música. Muitos dos pianistas participantes já eram conhecidos em Portugal ou, conforme se podia adivinhar através dos seus curricula, sendo pianistas sólidos, não eram precisamente estrelas. O dito, porém, não deve ser entendido como uma critica negativa. Advirto ainda que só consegui ir ao CCB no domingo. Assisti, infelizmente, a poucos concertos e, portanto, estou a dar eco o que foi publicado na imprensa, que também não foi muito.

Do que escutei, ficam para a memória os dois recitais, excepcionais, que António Rosado e Artur Pizarro deram no segundo dia. Espero poder voltar a escrever sobre ambos num estilo menos telegráfico. Rosado nasceu para tocar Debussy. Interpretou o segundo volume dos prelúdios (fez a integral há alguns anos, também no CCB) com autoridade: alucinantes as cores e subtilmente controlada a flexibilidade rítmica, evidenciando a estrutura, todos os planos e a poesia próprias de cada peça. Brouillards surgiu do silêncio, criando um estado de escuta que permaneceu até aos fogos de artifício com que fecha o volume.

Artur Pizarro é, ao contrário do sempre sóbrio Rosado, um sedutor impenitente. Sempre que escrevo sobre ele acabo usando – ou querendo usar – adjectivos como mágico, surpreendente ou fascinante. Este recital não vai ser excepção. Mas o resto fica para outro post. Tenho de ir embora e também quero tentar escutar antes a gravação que fez da sonata de Liszt, incluída no programa, na década de 90.

Só mais três apontamentos:

1. Gostei muito de escutar Diana Vieira, aluna de Alexei Eremine na Metropolitana. Por ambos: pelo professor e por ela. Segura, sempre musical, Diana tocou muitíssimo bem a parte solista das Variações sobre o tema de Paganini, de Rachmaninov. Espero que consiga prosseguir serenamente o seu caminho e, desculpem o excesso de confiança, que não arranje namorado longe do lugar que escolha para dar seguimento à sua formação.

2. A propósito de Schlimé, de quem falei há dois posts, escutei-o de relance e acabei sem saber muito bem o que pensar. No entanto, continuo a apreciar os seus CDs (por exemplo, a sua versão do concerto em sol de Ravel, com Pletnev como regente) e acho graça à sua imagem de estrela techno-pop à mistura com posse decadente-lisztiana.

3. E, finalmente, é preciso assinalar o estrondoso sucesso de Maria João Pires no concerto de encerramento. Há reconciliações assim.

Duas coisinhas sem importância

Conforme detalha Bernardo Mariano hoje no DN, os Dias da Música costaram a metade do que custou a última edição da Festa da Música. Para o novo conceito o orçamento previsto era de 450 mil euros. O custo final atingiu os 598.613 euros.

Ooops!

Na cobertura jornalística, chocou-me o reduzido espaço dedicado às críticas e aos pianistas e o destaque editorial dado às criancinhas e ao público anónimo que fazia perguntas inocentes aos grandes artistas.

É o efeito Rousseau, que continua a fazer as dele.

4/18/2007

Com Sokolov como desculpa



De joelhos, talvez só perante Richter. 

Está depois o Thibaudet, que, por enquanto, é o "meu" pianista.
Sou também a fã nº 2 do Artur Pizarro e do António Rosado. Tenho 
ainda um fraquinho pelo Kissin e outro pelo Tharaud. E acho o Andsnes lindo de morrer.

Mas, Carlos e Sónia, peço desculpa, isto está escrito sem pensar. Os - e as - restantes pianistas e o recital de Sokolov em Lisboa ficam para outra oportunidade (o Sokolov, para a semana). Nestes dias, vou ter de exercer intensivamente de professora universitária, participando em iniciativas tão sérias como esta.

Só mais duas coisitas.

E já que falamos em pianistas: se alguém for aos Dias da Música, no CCB, e tiver a oportunidade de escutar o Francesco Tristano Schlimé, que, por favor, diga alguma coisa (o mail do blog está lá ao fundo, na coluna da direita). Pelo que tenho ouvido dele em CD, poderia chegar a atingir as categorias de pianista pelo que tenho fraquinho e de lindo (mas não de morrer). Seria preciso confirmá-lo ao vivo.

Como tampouco vou conseguir abrir o salão nos próximos dias, fica para os habitués o seguinte poema de Pere Gimferrer, escrito, salvo erro, em 1974. Vale, aliás, mais do que todos os meus posts juntos.

A noite primaveril do recital lisboeta de Sokolov teria merecido, porém, um outro texto, com locus amoenus, mas nao às avessas, e com cheiro de relva recém cortada.

Noche de abril (según Gimferrer)

La mente en blanco, con claridad celeste
de alto zodíaco encendido: cúpula vacía,
azul y compacta, forma transparente
al abrigo de una forma. Así vuelvo a encontrarme
buscando esta calle. Ni está, ni estaba:
ahora existe, en levitación,
porque la mente la inventa. Asedio adusto,
pleito de lo visible y lo invisible: llama
y consumación. Contornos, inmóvil
piedra que cristaliza. Esta noche,
tormento de los ojos, tormento que una palabra designa,
sin decirlo del todo, como el reflejo
de una perla en tinieblas. Ahora los dedos
arden con la claridad de una palabra. ¿El sol?
El nocturno cuerpo solar, hecho pedazos, rueda
cielo abajo, piel abajo. Ni el tacto sabe
detener la caída. Incendiado
y poderoso. Riegan, de madrugada,
las calles, y un silencio nulo de cláxons,
en los pasajes húmedos, abre un imperio
donde a la piel responde la piel, y el nudo
se hace y deshace. Las teas de Orión
ven los cuerpos enlazados. Astral
escenario de profundos cortinajes
sobre el resplandor sonoro. Dices
sólo una palabra, la palabra del tacto, el sol
que ahora tomo en mis manos, el sol hecho palabra,
tacto de la palabra. Y las estrellas, táctiles,
invioladas, carro que al deslizarse
al fondo de un vidrio vago se refleja
en tu lujo, claridad de espalda y nalgas,
el globo detenido, ígneo: el reverso
oculta el trueno oscuro del monte de Venus. Brillan
dos tinieblas cuando el firmamento
mueve galeras y remos, y ahora escucho
el oleaje, el chapoteo de los pechos y el vientre,
copiados por la noche. La estancia cósmica
es la estancia del cuerpo, y la blancura
no confunde nubes altas y verde de espuma:
todo lo delega, la reenvía todo. Tiemblan,
esperando recibir un nombre, las criaturas
de la oscuridad, el dibujo de las tenazas
de los dos cuerpos, tapiz del cielo, horóscopo
giratorio. ¿Un sentido? Todo, ahora, es doble:
las palabras y los seres y la oscuridad.
Pero, escucha: muy lejos, desde esquinas
y faroles nocturnos, vacíos de murmullos,
negativo ignorado de magnesio,
vengo, mi rostro viene, y ahora este rostro
vuelve a ser el rostro mío, como si con un molde
me rehicieran los ojos, los labios, todo,
en el arduo encuentro de este otro, un trazo
dibujado al carbón, que no conozco, que toma
posesión del hielo, que me funde y me biela.
Es éste el enemigo, el que yo siento,
irrisorio y soberbio, ojo o escorpión,
el nombre del animal, el antiguo dominio.
¿Lo reclama el amor? Cuando dientes y uñas
bordean el azulado coto de la piel,
cuando los miembros se aferran, la certeza
¿viene de un fondo más remoto? Curvados, se despeñan
los amantes, como las formas minerales,
rechazados por la noche que calcina el mundo.

4/17/2007

(Quase) sem palavras



Detive o CD depois do Adagio espressivo da Segunda, claro. É preciso silêncio para recuperar o fôlego.

Vamos ao resto.

4/16/2007

Separadas pelo Tejo

A distância quilométrica que separa o Centro Cultural de Belém do Teatro Municipal de Almada não é muito grande. E, contudo, quando a percorremos, deparamo-nos com mundos completamente diferentes. Tive esta experiência no passado fim-de-semana. Na sexta, fui ao concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa no CCB e, no sábado, fui ver a peça de Daniel Schvetz que mencionei dois posts atrás.

O ambiente muito formal e sempre um pouco frio do CCB não tem nada a ver com aquele que se respira no Teatro de Almada. A diferença passa pelas cores escolhidas para a decoração, pela escala de ambos os edifícios e, até, pela roupa que levam vestida as pessoas que atendem o público. E pela expressão que têm no rosto. No caso deste fim-de-semana, houve igualmente diferenças no que diz respeito ao público. Um auditório praticamente vazio em Lisboa, enquanto, em Almada, a sala estava esgotada. Ainda, na sexta, tivemos repertório tradicional e, no sábado, uma estreia. No primeiro caso, ouvimos música alemã tocada pela OSP e, no segundo, vimos e escutámos uma peça de teatro musical que mereceria o qualificativo de ibérica, baseada num conto de um autor português, de temática castelhana e musicado por um argentino.

Acasos.

Contaram-me, no entanto, que dias antes a OSP tinha conseguido encher o auditório almadense. O público acabou chamando o próprio Paolo Pinamonti ao palco e que este teve direito a uma ovação cerrada. Do programa constava o Requiem de Verdi. Outro acaso. Em Lisboa, as cento e tal pessoas que assistiram ao concerto de sexta também aplaudiram com entusiasmo. O concerto foi um daqueles em que o contexto importa. Ou seja, fosse a OSP uma orquestra com auditório próprio e maestro titular, com um gerente a ela dedicado em exclusividade e a minha opinião seria diferente. Seria também outra orquestra. Paolo Pinamonti teve o mérito de pacificá-la, assim como o fez com o coro tão aficionado às greves intempestivas – e, seguramente, laboralmente motivadas – em épocas passadas. A criação de uma identidade do agrupamento em termos sonoros e institucionais, porém, é que ficou pendente: um sonho impossível sem um mínimo de estabilidade e de regularidade que “vertebre” (será que a palavra em português não existe?!) a sua actividade.

Josep Pons, maestro convidado para a ocasião, com o seu gesto talvez exagerado para o gosto lisboeta, imprimiu o seu dinamismo no agrupamento, que respondeu muito bem. Na peça de Schreker divertiram-se e isso transpareceu para a plateia. Fantásticas as trompas e a flauta solista na quarta de Brahms. Andamentos, porém, com resultados um tanto desiguais, e, de facto, sem aquela flexibilidade que cria formas sonoras passando por cima da regularidade do compasso e que em Brahms é fundamental. Hoje acordei hanslickiana. Eu gostei, porém, das cores que Pons tirou, quase diria analiticamente, da orquestra e da rede de células rítmicas que pôs à mostra. Foi particularmente bem sucedido nas variações. No concerto de Schumann, Michael Dalberto encheu o auditório com a sonoridade absolutamente colossal que tira do piano. Fez da obra dedicada a Clara uma página de grande virtuoso, transformando a orquestra na sua sombra. Não sei se é bom o mau, mas a sua presença ficou-me gravada na memória.

O pianista apareceu rigorosamente vestido de pianista perante uma plateia, como disse, quase vazia. Houve um momento em que pensei que, afinal, no programa havia um engano: não era nada Schumann, mas Mauricio Kagel…

Isto vai demasiado longo. Por isso, vou escrever sobre a peça cénica O Defunto ainda mais telegraficamente. Em Almada, portanto, no sábado, Eça de Queiroz, Daniel Schvetz e a encenadora Érica Mandillo deram-nos teatro. Com ironia, ternura e boa disposição. A adaptação do conto de Eça foi feita encontrando soluções simples, engenhosas e sempre pertinentes.

O vídeo de Mário Costa – coincidente com o momento em que o conto se vira história de fantasmas – foi uma gratíssima surpresa e – não apenas por isso – um dos melhores momentos do espectáculo. Infelizmente, não encontrei nada sobre ele na net, mas é um nome a decorar. Do seu CV consta, entre outros trabalhos, a recente criação de filmes de animação para a Orchestre Philharmonique du Luxembourg (Goldlöckchen, op.74, com música de Kurt Schwertsik, e Till Eulenspiegel, de Strauss). Cabe ainda referir Rui Baeta, Susana Teixeira e Luís Rodrigues, assim como o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa sob a batuta de João Paulo Santos, os quais contribuíram igualmente para o sucesso.

Nuno Nabais propôs-se fazer mais uma sessão na Ler Devagar dedicada a esta obra de Daniel Schvetz. Já agora, será no próximo dia 27 ao Bairro Alto.

Escrevo-te com o fogo e a água

Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras.
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.

O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado,
um arabesco talvez de mágica leveza.

Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.

António Ramos Rosa, Volante Verde, Lisboa, Moraes Editores, 1986.

4/14/2007

"Ópera" de Daniel Schvetz

Nacido en Argentina, el compositor Daniel Schvetz lleva en Portugal muchísimos años. Fascinado por la literatura, y por la portuguesa en particular, ha leído con música el cuento titulado "O Defunto", de Eça de Queiros, de tema segoviano, y lo ha transformado en una pieza de teatro musical.

Se estrenó ayer y se vuelve a montar hoy, en el Teatro Municipal de Almada a las 21h30.

Las clases están de vuelta, ya la semana que viene. Y, con las clases, vuelve el resto... A ver cómo hago para comentar aquí alguna cosa sobre la obra.

4/13/2007

Arte com Maiúscula

Saiu hoje, em Mundoclasico.com, a entrevista que fiz ao maestro Marko Letonja a propósito da Valquíria. O meu editor mandou-me o texto em pdf com um comentário enigmático: a directora do diário disse que percebeu ainda melhor o meu interesse pelo maestro quando viu as suas fotos.

Para tirar dúvidas, e aproveitando que tinha marcado um brushing hoje de manhã, mostrei a entrevista à minha cabeleireira. O que ela achou incrivelmente interessante foi que o Letonja tivesse gravado as sinfonias de Weintgartner.

Também falámos acerca do meu artigo sobre a encenação do Graham Vick. Isto levou-nos a discutir se, quando for a estreia do Caso Makropoulos que o Letonja vai dirigir no Scala, vamos levar uns manolos ou uns prada. Ainda não decidimos.

E, finalmente, comentando o último número da Caras, tivemos um bocadinho de pena dos coitados dos wagnerianos que, depois do Vick, vão ter de engolir que o Wagner era fetichista e travesti.

Nós não somos como essa Madona Lopes que escreve no Inimigo Público: nós sabemos quem é o Tintoretto!

Quando tornar a vir a Primavera

Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

Alberto Caeiro (1915)

Para fetichistas: a ficha catalográfica e a reprodução do documento original guardado no espólio (site da BN).

Para quienes quieran leerlo también en español: el fabuloso site de Sebastián Santisi, donde se encuentran traducciones de un número considerable de poesías de Pessoa.

4/12/2007

Bom vento

Para poner en la agenda:

Mañana: Josep Pons dirige la Orquesta Sinfónica Portuguesa en el CCB (Lisboa). En el programa hay obras de Schreker, Schumann y Brahms (la cuarta!).

En mayo, día 27: el pianista Javier Perianes toca el concierto en sol de Ravel 
con la Orquesta Sinfónica de Londres dirigida por Daniel Harding. Será en el Coliseu dos Recreios de Lisboa, dentro del ciclo de las Grandes Orquestas Mundiales que organiza la Fundación Gulbenkian. Hay, por lo menos, cuatro motivos para no perdérselo: Perianes, Ravel, la OSL y - last but not least - Harding!

En junio, día 21: el Cuarteto Diotima estrena dos cuartetos de Alberto Posadas en la Casa da Música (Porto).

4/11/2007

Primavera

Na cabeça
um canteiro de flores
a fabricar um cauto oceano;
puxado pelo fragor do sol
o sangue esbarra
de encontro ao esterno
(último paciente no consultório
olha já o poente
e sonha com laranjas apunhaladas
no açúcar das ervas rentes).

Que secreto e suicida engano deixo
entrar pelas narinas?

A pele é um passeio breve
sob a lã do firmamento
desde o rio subindo
desde o prado descendo.

Como escondê-lo?
a Primavera bate-me
sonora e claramente à porta,
afaga-me o cabelo
com mão infanticida,
senta-me no seu colo
e fende-me aos poucos
a garganta,
de sorte que me olho desde as papoilas
de Monet, ou desde a terra dos meus avós (que importa?)
e é tudo
o mesmo sangue a prumo.

Rui Lage, Berçário, 2004

4/10/2007

Crujidos

Acabo de saber que Héctor Fouce, con quien coincido en la SIBE y en el interés por el debate reciente acerca de la propiedad intelectual, inició hace unos días un blog, amenazadoramente llamado Crujidos.

Me parece muy bien. Es sólo que llega a la blogosfera creándome un problema. Se trata del blog de un etnomusicólogo y crítico musical que también va a abordar temas relacionados con política cultural. ¿Dónde lo meto?

Con otras palabras, voy a tener que organizar de otra forma los links de los blogs de música que aparecen en la columna de la derecha. Son tantos que empiezan a ser también inútiles. En este caso, sin embargo, cantidad y calidad no están reñidas: muchos de ellos me parecen francamente interesantes y algunos, como es el caso de La Idea del Norte, también están maravillosamente [sic] bien escritos.

Vintage diversion

Estaba buscando otra cosa, pero resulta que me he encontrado con esto:



Beethoven, Sonata op. 30 nº 1 en la mayor, 3. Allegretto con Variazioni / Zino Francescatti y Robert Casadesus.

Después, con esto:



Felix Mendelssohn-Bartholdy, Trío en re menor op. 49, 1. Molto allegro ed agitato / Artur Rubinstein, Jasha Heifetz y Gregor Piatigorsky

Y, entonces, me he acordado de esto:



Que acaba así:



Claude Debussy, Sonata para violonchelo y piano en re menor / Maurice Gendron y Christian Ivaldi.

4/09/2007

El contexto importa

EL PAÍS se hace eco hoy, pero de forma muy resumida e incompleta, de un reportaje realizado por periodistas del Washington Post. La noticia es que el Bach de Joshua Bell tocado en hora punta y en un Strad... en el metro de la capital de los Estados Unidos vale, para los usuarios, 40 dólares.

La pieza original se encuentra en este link. Me ha parecido un poco larga y su estilo es muy etnográfico. A pesar de ello, creo que puede resultar una lectura entretenida para quienes estén todavía disfrutando de la Pascua. Entristece y reconforta a partes iguales (y en la medida en que confirma lo que ya sabemos).

Ícaro

Sacudiu o pó
tratou cuidadosamente a ferida do joelho
reuniu os bocadinhos das suas
asas
colou-as com paciência
e pendurou-as na parede da sala
como recordação.

António Pedro Pita, Melancolia Dupla, 2007

4/08/2007

História e memória

A ler e a escutar: o último post do sempre excelente Ideias Soltas (então, gostamos ambos do Kissin?!, eu tenho por ele o que se diz, acho, em português um "fraquinho"). Quanto ao tema deste meu post, na realidade vai ficar para outra e será desenvolvido, não a propósito da história da interpretação em Portugal (como é possível não haver mais registos da pianista Maria Manuela Araújo?!), mas de Fernando Lopes-Graça.

Nouvelle cuisine




El fin de semana, entre otras cosas buenas, me ha dado tiempo para actualizar mis audiciones en la página de la Naxos. Empecé por el CD de Roberto Sierra del que hablaba en el post anterior. Su música es, sí, interesante, pero las interpretaciones son un tanto decepcionantes. Parece como si el grupo en cuestión se hubiese conformado con "documentarlas": miren, aquí tienen algunos de los pasos que el compositor dio para llegar hasta donde está hoy. Sierra nos da en sus obras una imagen sonora del Caribe que no tiene nada que ver con la comercializada, aunque él no sea, en absoluto, un esnob (hay que oírle defender a la también puertorriqueña Jennifer López frente a quienes sólo elogian o critican sus curvas!). El Caribe de Sierra es también muy negro y violento, incluso cuando lo recrea con sentido del humor. Pues bien, esto sólo se intuye vagamente en esta grabación.

De hecho, el CD parece ser una reedición de otro de la Musical Heritage Society, publicado en los años 80. Esto explica, tal vez, el desfase que hay, desde el punto de vista técnico, entre ese registro con acento caribeño y otras grabaciones dedicadas a otros compositores contemporáneos recientemente lanzadas por Naxos. Tenemos, por ejemplo, obras que no aprecio particularmente – música sinfónica de Glass y piezas corales de Pärt – servidas por interpretaciones que hacen que sitúan el interés de las grabaciones más allá de los propios compositores y sus obras.

También ha sido grabada por la misma discográfica, hace relativamente poco tiempo, la obra para piano de Adams, cuyo minimalismo “expresivo” sí que aprecio. Se recomienda además por la presencia del pianista neerlandés Ralph van Raat. Y, puestos a escoger sabores exóticos, una buena opción es el ciclo de conciertos de cámara de Huang Ruo, servido por su grupo, el excelente International Contemporary Ensemble. Entre otros méritos, tiene el de abrir el apetito: éste es su primer CD, del compositor y del grupo, y, teniendo en cuenta el resultado, no creo que tengamos que esperar mucho por los siguientes.

4/04/2007

De Finlandia al Caribe



Vámonos ahora al Caribe. Lo acabo de ver en la página de la Naxos, así que no lo he escuchado todavía, pero seguro que es interesante. Desde luego, la música del encantador Roberto Sierra lo suele ser.

Primavera finlandesa

Talvez seja porque, à beira do Ebro, estamos desfrutando de uma Primavera com temperaturas finlandesas. Voltei a escutar estes dias o CD dedicado a Sibelius que Soile Isokoski lançou em 2006 (e que teve críticas tao boas como esta). E reparei que, apesar dos redondos 50 anos que em 2007 passam sobre o seu falecimento, não se fala muito sobre esse compositor. Mas, se calhar, sou eu que ando distraída. Uma das peças incluídas no CD é o célebre poema sinfónico intitulado Luonnotar, inspirado num dos cantos do Kalevala. Foi também gravado há tempos pela BIS, numa outra excelente interpretação de Mari Anne Haggander, um bocadinho mais arrebatada do que a de Isokoski.

Luonnotar, virgem e filha do ar, lançou-se ao mar e ali ficou enchida pelo vento durante sete séculos, durante os quais nadou por todos os océanos. Pediu então ajuda a Ukko, o deus supremo, para poder dar à luz, após uma longa gravidez de água e de ar. Um magnífico pássaro posou-se sobre as suas pernas e fez nelas o seu ninho, com seis ovos de ouro e mais um de ferro. Os ovos cairam no mar e deles brotou a Terra com o seu Céu, a Lua e o Sol. A virgen Luonnotar permaneceu na água mais dez anos. Criou depois a vida na Terra, as ilhas e os continentes. Trinta anos mais tarde, finalmente viu nascer o seu filho, o já velho, sábio e vigoroso, Väinaämöinen. Mas este caiu no mar e ficou junto da sua mãe durante mais oito anos. Pôs então, pela primeira vez, pé em terra firme e pode finalmente admirar o mundo que a sua mãe tinha criado.


Sibelius cultivou indistintamente a sinfonia e o poema sinfónico. Enquanto no primeiro sempre procurou preservar “a severidade e o estilo, assim como a profunda lógica que permite criar a conexão íntima entre todos os motivos”, no segundo, encontrou uma via para se libertar do peso da tradição. No entanto, sobretudo a partir da quarta sinfonia, o compositor acabou por fusionar nas suas obras ambas as tendências, tentando fazer com que as suas composições dependessem menos dos esquemas tradicionais do que da lógica não sistemática ou intuitiva inerente aos materiais escolhidos: as suas peças, nas suas palavras, crescem paulatinamente através de transformações motívicas espontâneas cuja fixação ou “cristalização” é comparável às estruturas microscópicas do gelo. Isto pode explicar que, na discussão em termos formais dos seus poemas sinfónicos, todos os autores coincidam em procurar formas de sonata, o padrão formal característico do género sinfonia. Contudo, todos eles coincidem também em sublinhar as notáveis novidades introduzidas pelo compositor, sobretudo do ponto de vista do plano armónico. Em Luonnotar tem sido identificado esse tipo de esquema tripartito, coincidente com o conteúdo do poema cantado pela solista e que é susceptível de ser estruturado numa forma de sonata livre. Contudo, conforme assinala Erik Tawaststjrna, elementos tais como o uso dos intervalos de segunda maior e e de segunda menor como elemento ao mesmo tempo estrutural e colorístico, ou como a orquestração, de carácter camerístico, conferem à obra uma notável “modernidade”.

A parte vocal apresenta dois tipos de carácter, um épico e um outro mágico e misterioso. Na primeira parte, opõe-se a narração de Luonnotar ao seu lamento, perdida nas conturbadas águas. A secção intermédia – a qual coincidiria com o desenvolvimento – evoca a luta da Filha do Mar que conduz, já na Reprise, ao momento climático da peça. Este é também um dos trechos mais emocionantes e intensos de toda a música de Sibelius. Esta terceira secção apresenta ainda uma evidente tensão harmónica, coincidente no texto com o momento da Criação. O anticlimático final da obra, porém, faz pensar mais no seu mistério do que na sua grandiosidade.