9/28/2006

Augusto M. Seabra no seu melhor

As questões levantadas por Augusto M. Seabra no artigo "Chostakovich 1975-2006, memória e trajecto" não são, de todo, inocentes nem, menos ainda, inconsequentes. Vão ao cerne da questão da transformação do campo artístico na arena da luta pela obtenção ou conservação do poder, escolhendo como objecto de reflexão duas figuras – Chostakovich e Lopes-Graça – cujo percurso criativo incita particularmente este tipo de reflexões e comparações.

Será para ele bastante fácil recuperar no próximo mês de Dezembro artigos assinados por Mário Vieira de Carvalho quando, na altura em que era perito em teoria leninista (uma formação que lhe tem sido útil no seu percurso de intelectual orgânico, cuja coroa é o lugar que hoje ocupa no governo), contribuiu com zelo para fazer da figura de Lopes-Graça uma versão do bom engenheiro de almas em clave musical, herói de banda desenhada inserido numa narrativa de libertação nacional atingida através da luta de personagens bons, justos e sábios contra malvados batoteiros e patetas.

Eu, acho que diferentemente de Augusto M. Seabra, não consigo deixar de sentir certa empatia com essas duas figuras – como a sinto em relação a Britten, mencionado no artigo, ou a outros compositores da mesma geração que Seabra não tinha por que citar, mas que fazem parte do mesmo lote, como por exemplo Copland – porque preservaram o que é humano - desculpem a ingenuidade da expressão – no meio do canibalismo em estado puro.

“Não existe documento de cultura que não seja documento de barbárie. E a mesma barbárie que os afecta também afecta o processo de sua transmissão de mão em mão.” Benjamin sempre fica bem. Escovar a história a contrapelo não é o caminho que conduz ao céu.