9/30/2006

Lopes-Graça e a vanguarda

No artigo a que o anterior post faz referência, Augusto Seabra cita, aparentemente de memória, uma entrevista que Jorge Peixinho deu em inícios da década de 70. Foi publicada na revista Crítica, criada e dirigida por Eduarda Dionísio e Jorge Silva Melo. Conforme diz Seabra, Peixinho teria posto reservas em relação ao concerto para violoncelo que Lopes-Graça tinha escrito alguns anos antes para Rostropovich. A obra foi estreada em Moscovo em 1967 e, em 1969, foi apresentada em Lisboa, no âmbito do XIII Festival Gulbenkian de Música.

Confesso que não conhecia essa referência, pelo que fui logo para a Biblioteca Nacional para consultar o dito periódico. Infelizmente, a colecção que ali se guarda está ainda por encadernar, pelo que não pode vir a consulta. Na Hemeroteca Municipal, está em restauro: ou seja, mais do mesmo. A memória história que Seabra invoca no seu texto, como vemos, não é, por vezes, tão fácil de reconstituir. Há exemplares da Crítica em no Porto e em Coimbra, mas também não dá para ir lá de um saltinho, assim de repente…

Adiante. Seabra lembra ainda que o teor do comentário de Peixinho provocou uma resposta em forma de carta, enviada por Manuel de Lima ao Diário de Lisboa, onde Vieira de Carvalho era então crítico musical. Quanto a Manuel de Lima, não conheço de forma global a sua actividade jornalística, mas, nos textos da sua autoria escritos a propósito de Lopes-Graça que tenho tido a oportunidade de ler, parece-me ser uma personagem de perfil, usando a expressão de forma libérrima, bastante… libertário.

Não consultei a revista (embora vá fazê-lo, claro), mas achei interessante – apenas por dar uma achega relativa à questão da relação de Lopes-Graça com a vanguarda, ou melhor, da “vanguarda” com Lopes-Graça – lembrar que o movimento de aproximação e apropriação da sua figura tinha partido do próprio Peixinho alguns anos antes. Está bem exemplificado no “ensaio de interpretação morfológica” que fez do Canto de Amor e de Morte (1961), publicado na brochura do III Ciclo de Cultura Musical. Fernando Lopes-Graça, editada por uma associação (à qual, se não estou em erro, Vieira de Carvalho estava ligado) da Faculdade de Direito de Lisboa em colaboração com a Juventude Musical Portuguesa em 1966.

Uma coisa interessante, do ponto de vista da biografia de Lopes-Graça, é que este episódio confirma a facilidade com que conseguiu manter ligações – pessoais e artísticas – com os “novos”, um aspecto do seu percurso que tem contribuído, em certa medida, para distorcê-lo. Exemplo disso foi a transformação de Lopes-Graça no compositor nacionalista-progressista pela pena de João José Cochofel, pertencente a uma geração posterior. Ou seja, a partir de elementos seleccionados que, no entanto, estavam presentes nas reflexões estéticas de Lopes-Graça e na sua obra, foi construída uma imagem da figura do compositor em inícios da década 40. Tal como, em meados da década de 60, foi construída outra mais acorde com o tempo.

O que vem a seguir já não tem nada a ver: em fins de Outubro vou leccionar 1 crédito (ECTS) num Máster da Universidade de Salamanca, no âmbito de uma cadeira de 10 créditos dedicada à música do século XX que inclui também Portugal. Obviamente, vou dedicar uma boa parte do meu (reduzido) tempo a Lopes-Graça, de resto, como não podia deixar de ser. O artigo de Augusto Seabra chegou, portanto, para mim no momento certo: os estímulos externos à autista musicologia dita académica são particularmente bem-vindos e agradecidos nestas situações.