6/05/2006

Mundo e democracia

Como não tinha lido a entrevista que o Graham Vick deu à Alexandra Lucas Coelho para a Pública, achei o artigo assinado por Augusto M. Seabra no Público de sábado mais narcisista do que o costume. Parece que a Alexandra lhe deu um álibi para dizer mal da encenação do Ouro do Reno. A jornalista, na opinião do crítico, enganou-se ao dar um particular destaque à ideologia empenhada do encenador que pretende, imaginem, que os seus trabalhos sejam “democráticos”.

Resumindo, o que o Augusto M. Seabra nos comunicou é que a encenação se aprecia muito melhor dos camarotes do que da plateia, colocada no espaço onde habitualmente está o palco do São Carlos. Isso serviu-lhe de argumento para demonstrar que, afinal, a montagem não é tão democrática assim e que, portanto, é um “falhanço clamoroso”. O crítico concluiu, em boa lógica (dele), referindo os desacertos das trompas e dos trombones da OSP.

Quando depois li a entrevista, admirou-me que Vick não falasse literalmente em democracia para comentar a sua versão. Deixou, porém, clara a sua filiação brechtiana. Ou, com as palavras de Brecht (traduzidas da tradução espanhola, desculpem) que o encenador britânico não citou: "Quando se vê que o nosso mundo actual já não cabe no drama, então o que acontece é que o drama já não cabe neste mundo"... O teatro, a encenação, como mundo, não como democracia.

A encenação resultou, no entanto, no sábado uma espécie de espelho da nossa democracia tal como esta existe através da TV. Nesse dia, a representação foi, de facto, filmada pela RTP e projectada sobre um écram gigante instalado no Largo do São Carlos. Por isso, o cenário transformou-se num enorme platô de televisão. Só faltou uma acalorada e descriminada (na leitura de Seabra) plateia actuando conforme o guião.

Bom, bem pensado, nem sequer isso faltou.