7/28/2005

Perplexidades e quixotadas

Teófilo Braga considerava os centenários “sínteses afectivas das sociedades modernas”. Lembrei-me disso ao constatar o papel que têm tido os afectos na reacção provocada pela extinção do Ballet Gulbenkian. Fora as tomadas de posição que revelam alguma forma de aproveitamento político, o certo é que a resposta mais generalizada tem sido visceral e apaixonada. Não sei explicar isto.

Faz-me lembrar à impressionante movimentação que se associou em Portugal ao processo de independência de Timor e que nada teve em comum com as manifestações colectivas que eu tenho visto em Espanha. Estas, apesar de tudo, tem sido sempre provocadas por causas bastante menos “quixotescas”, tais como o repúdio ao terrorismo da ETA ou à guerra do Iraque. O “nuestro” Timor (o Sáhara) está “obliterado” das nossas preocupações colectivas, pelo menos nas suas manifestações mais espectaculares.

Porém, acho curioso, por exemplo, que o indigno fim do apoio da PT aos Concertos em Órbita não tenha provocado uma reacção análoga (alguém sabe onde é que pára agora essa graciosa verba mecenática?). Ou que tenhamos engolido tão discretamente a extinção da Orquestra Regional das Beiras e, há mais tempo, o desaparecimento do Festival dos Capuchos. Já agora, e o Museu prometido para 2003 pela Fundação Oriente? Mas, pronto, não interessa. Não pretendo – ¡Dios me libre! – julgar a moralidade destas coisas. Adiante.

Tem-se rememorado também o fim dos Encontros de Música Contemporânea e das Jornadas de Música Antiga, as quais, de facto, foram integradas na temporada de música da Fundação. Mas não tenho lido nenhuma referência ao interessante, leve e eficiente modelo de intervenção cultural (e social) desenvolvido pela delegação da Gulbenkian em Londres.

Tem-me surpreendido também, nestes dias, a recorrente invocação da palavra “património”, misturada com a descrição do Ballet Gulbenkian como uma companhia de “repertório contemporâneo”. Património? Repertório? Contemporâneo? Importam-se de repetir? É claro que percebo o seu uso e as suas significações, que não são, por isso, menos reveladores...

Há dois ou três anos, escrevi no Público um texto de comentário sobre uma temporada Gulbenkian de música. A palavra que eu utilizei então para descrever a situação do Serviço de Música foi “encruzilhada”. Aí também frisei que o ideal de excelência cultural herdeiro da época de Thomas Mann já não faz sentido no século XXI.

Quase diria que estamos perante mais um episódio da agonia do papel das elites fidalgas e afidalgadas no âmbito da cultura. Isto poderia explicar, pelo menos em parte, a reacção. Será que a preocupação pelo "social" irrompeu, finalmente e sem ser confundida com caridade, na, de resto, imprescindível intervençao artística da Gulbenkian?

Nota: sinto a necessidade de fazer constar que todas estas minhas dúvidas não são incompatíveis com o meu profundo respeito pela filantropia privada e, portanto, pelas decisões que nesse domínio são tomadas.