2/28/2005

Hoje, obra de Luís Tinoco em estreia

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Estreia hoje, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, de Hovering Over, de Luís Tinoco, um dos meus compositores preferidos desde que, em 1995, escutei a primeira obra do seu catálogo: um quarteto que foi então distinguido com o Prémio Lopes-Graça de Composição, promovido anualmente pela Câmara Municipal de Cascais.

Nestes dez anos (ai!), o compositor tem desenvolvido um sério e individual percurso criativo, cujos sólidos alicerces fazem pressagiar uma carreira com projecção internacional. As palavras da regente Susanna Mälkki (quem irá dirigir esta primeira audição), citadas pela Cristina Fernandes no PÚBLICO, ficam-lhe aliás que nem uma luva: «Para os novos é mais fácil o cruzamento com diferentes culturas, géneros e estilos. Cresceram com a música pop, com os media. Os jovens compositores são mais realistas e menos snobs do que os da antiga geração.»

O comentario de Tinoco relativamente a Hovering Over, retirado do programa do concerto, é lacónico:

«O estatismo o imobilidade sugeridos pelo título são mais claros nos extremos da
peça, embora esta seja apenas uma percepção condicionada pela densidade rítmica
das secções centrais. No entanto, se nos concentrarmos no plano harmónico - o
verdadeiro ADN de Hovering Over e cuja importância surge afirmada logo no gesto
inicial -, conclui-se que a quase totalidade da peça é construída pairando
sobre
o mesmo tipo, ou família, de acordes.»

O texto contém, porém, elementos constantes na maioria das suas obras: por um lado, a importância que têm a visualidade e a ilusão do espaço na concepção das suas obras, sobretudo como fundamento para a percepção (importância dada ao título, estatismo / imobilidade como possíveis elementos definidores da estrutura, a escuta determinada pela construção "pairando sobre" - mais uma referência de carácter espacial - um mesmo tipo de acordes); por outro lado, a intenção de criar peças, por assim dizer, completas e coesas mediante o recurso a processos "internos", nomeadamente a harmonia, que é a ferramenta por ele usada para agarrar o ouvinte, introduzindo-o num espaço sonoro repleto de acontecimentos que nao são meros efeitos e que, embora possam estar em planos sobrepostos, não ficam "perdidos" na superfície.

Mas o melhor, como sempre, será ir às 19h à Fundação para escutar o magnífico Birmingham Contemporary Music Group sob a batuta de Susanna Mälkki, tocando, em estreia, a obra de Tinoco e mais uma peça de Stuart MacRae, e ainda, em primeira audição portuguesa, composições de David Sawer, Harrison Birtwistle e do genial Thomas Adès.

Light- Distance

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Há quatro anos que a Fundação Calouste Gulbenkian organiza em Londres o festival Atlantic Waves. O evento – concebido e dirigido por Miguel Santos, quem é também o editor do Musalusa – tem como objectivo apresentar nos palcos londrinos músicos portugueses que se têm destacado na exploração de novas vias criativas. A Fundação também tem apresentado em Lisboa destacados grupos britânicos especializados no repertório contemporâneo, os quais têm incluído nos seus programas obras de compositores portugueses. Esta temporada foram convidados o Pssappha Ensemble e o Birmingham Contemporary Music Group, o qual se apresenta hoje no Grande Auditório.

Por seu turno, também nestes últimos anos, o compositor Luís Tinoco tem vindo a desenvolver a título pessoal frutíferas colaboraçoes profissionais no Reino Unido, bem patentes na recente inclusão da sua obra no catálogo da University of York Music Press. Nomeadamente, a sua ligação com o quinteto sopros Galliard Ensemble, nascida na sua época de estudante na Royal Academy of Music, tem-se materializado em várias gravações, entre quais se destaca "Light-Distance" (na foto), um CD lançado em fins de 2003 contando com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

O registo contém peças da autoria do próprio Luís Tinoco e, ainda, de Eurico Carrapatoso, Joly Braga Santos, Fernando Lopes-Graça, António Pinho Vargas, Alexandre Delgado e Sérgio Azevedo. Para além de três obras escritas por Luís Tinoco para quinteto de sopros (Autumn Wind, de 1998, Light-Distance, de 2000, e O curso das águas, de 2001), inclui as magníficas Sete Lembranças para Vieira da Silva, de Lopes-Graça (inspiradas na obra da pintora, as sete peças revelam uma voz individual, repleta de emoção e de poesia que é perfeitamente compreendida e revivida pelos Galliard). Não é propriamente uma novidade, mas recomenda-se na mesma.

2/25/2005

Musicoterapia

Parecem-me um pouco simplistas as leituras feitas dos comentários meus e do João (do óptimo Ópera e demais interesses) publicadas como comentários no anterior post. No que me diz respeito, surpreende-me sobretudo que nem o António nem o Sérgio se tenham dado o trabalho de perguntar as razões pelas quais eu citei o Richard Sennett num post que, ainda, falava do último ensaio do José Gil publicado em Portugal e não, de todo, sobre a situação da música contemporânea em Portugal. Inclusivemente o título foi retirado de um dos ensaios do Sennett. Ainda, até choca ter de lembrar que uma coisa é o fenómeno “real” e outra o discurso teórico e que é possível – estúpida complicação, não é? – haver um discurso sobre o próprio discurso...

Da realidade musical portuguesa, e das suas fortalezas e fraquezas, tenho falado e escrito alguma coisa e – tenho essa esperança secreta – digo eu que ninguém irá pensar seriamente que o meu bálsamo de Fierabrás para os "seus problemas" seja a musicoterapia. Não tenho escrito tanto sobre o que acontece em Espanha, mas posso assegurar que escutar Lola Flores (ou Plácido Domingo, tanto faz) não é uma solução para as carências que aqui também existem, sobretudo ligadas à divulgação da música mais recente (“espanhola” e não só).

Mesmo assim, se do que se trata é de comentar as circunstâncias adversas nas quais os compositores portugueses desenvolvem a sua actividade, posso constatar o óbvio (as estruturas inexistentes, referidas tanto pelo Sérgio como pelo António) e insistir em ideias que já tenho exposto num dos primeiros posts deste blogue (intitulado “Consonâncias”, e que fui buscar ao baú porque julguei que tinha algum interesse). Não me parece, porém, que as críticas ao “star system” que já têm dois séculos de existência (em Paris, por exemplo, na primeira metade do século XIX já encontramos artigos jornalísticos com queixas desse teor) levem muito longe. Também não acho que misturar Estado e Sociedade Civil seja demasiadamente produtivo – não, definitivamente não é produtivo e, ainda por cima, é mistificador.

Não há um centro de documentação musical? Não há editoras? Não há etiquetas discográficas? É muito certo. E, para reforçar a denúncia dos compositores, aproveito para afirmar com veemência – junto com o meu caro ex-colega na Universidade de Évora, João Pedro Alvarenga, do sempre interessante Musicoblogo – que os universitários especializados no estudo da música portuguesa também nos queixamos do mesmo.

No entanto, também é certo que eu, na minha qualidade de musicólogaterapeuta, sempre posso ressolver os meus problemas escutando (ou melhor, lendo a partitura com cortes que há na BNL, porque não existe em gravação) a primeira das Sinfonias Camonianas de Rui Coelho: ele, seguindo Teófilo Braga, também se queixa aí amarguradamente da cruel raça lusitana, que nem o génio de Camões foi capaz de reconhecer.

2/22/2005

Destaque devido: leiam, por favor, as palavras de António Pinho Vargas

Foi preciso ir ao blogue do Sérgio Azevedo para descobrir este texto que o António Pinho Vargas tinha tido a amabilidade de escrever no meu, como resposta à conversa vertida num post onde, pelo meu turno, eu comentava uma outra intervenção sua.

Um conselho: não se metam à gestão universitária, porque dá nestas coisas.

Vai aqui o referido texto, que, como poderão verificar, abre várias vias para o debate.

Caríssimos,

Sou obrigado a tentar recolocar o problema que o meu texto pretende pôr em
evidência. Para isso devo salientar em primeiro lugar duas coisas: esse texto
foi escrito como ponto 1. das notas de programa da minha peça Reentering e tinha
em epígrafe uma frase do filósofo Peter Sloterdijk: "não apenas aprendizagens
positivas... ao lado há um verdadeiro curso de decepções" Segui o tal ponto um com o título conhecido: Sobre a melancolia física do artista.

Se eu quisesse escrever sobre a minha melancolia teria escrito quando
muito sobre a melancolia psicológica do artista. Aliás, no texto escrevi que,
mergulhado no trabalho, no trabalho criativo que constitui a razão de ser dos
artistas fico "posto em sossego". Mas lúcido.

É curioso que o nosso melómano psiquiatra deixe escapar este pormenor. Para
além da classificação e descrição das doenças do humano, que qualquer
enciclopédia fornece - os psiquiatras, os psicanalistas sabem que as palavras
são o seu terreno de interpretação. São o seu material. Eles sabem que mais que
os sonhos interpretam a sua descrição verbal na análise.

O que descrevo é uma situação real - nada psicológica, nesse sentido estrito - da situação institucional em que está a música portuguesa. Da qual o nosso dissoluto punito se encarrega de fornecer exemplos à contrario: "e estiverem tristes, oiçam o Don Giovanni do Terfel (Solti´97), As Bodas do Jacobs (´04) - galardoado com um
Grammy -, a 6ª sinfonia de Beethoven do C. Kleiber, os Concertos para violino de
Bach pela Hhan (´03), o Imperador na interpretação da dupla Rattle / Brendel."

Pois é! Deveremos pôr estes discos para evitarmos a tristeza... mas por
acaso apetecia-me ouvir outros discos. A minha melancolia física resulta do
cansaço das voltas que dou nas lojas à sua procura...

Até tenho alguns dos discos citados... Mas nenhum deles altera um milímetro que seja o tal estado da música em Portugal.

Na Europa dos 15 havia 14 países que tinham Centros de Documentação
Musical. Na Europa dos 25 há 24 países. Sabem qual é o país que não tem ainda?
Acham bem? Há em Portugal alguma editora consistente de partituras? Há uma
política continuada e articulada como há na Finlândia, na Holanda, na Noruega -
para falar de países fora dos centros europeus hegemónicos - de publicação e
distribuição do trabalho dos compositores? Não há. Acham bem ? Ou terão de ir a
correr pôr um daqueles CD's para combater a tristeza súbita da verdade revelada
e tão inconscientemente aceite como natural?

Os compositores portugueses estão bem e recomendam-se. Compôe-se muito e
bastante bem em Portugal. Pelo contrário a política do Estado e das instituições
culturais é supremanente servil na aceitação do neo-colonialismo que regula a
nossa vida musical. Os sucessivos governos - que ainda por cima passam a vida a
falar da Europa, a comparar com a Europa, a estabelecer metas relacionadas com
os países europeus, etc -nem sequer formularam o que disse acima como um
problema. Que é que isso interessa, se podemos ir à Gulbenkian ouvir o Sokolov
ou Ir à Casa da Música ouvir o Brendel?

Este provincianismo oculto é enorme! Todas as programações têm como
principal objectivo apresentar "grandes nomes internacionais". De onde vêm esses
nomes? Dos países onde 1. há editoras discográficas fortes, 2. há editoras de
partituras há muitos, muitos anos...Se fizerem uma análise das programações da
Gulbenkian, etc. verão que, não raro, há uma extrema articulação entre as saídas
dos CD's e as tournées. Um exemplo tomado de empréstimo; cada novo disco do
Jordi Savall tem concerto garantido lá! É cada vez mais parecido com as tournés
da música pop! Ao CD segue-se a tournée mundial ou europeia.

Para retomar a frase de Sloterdijk, não se deve, não se pode deixar de
fazer o curso de decepções. Sob pena de vivermos num mundo regulado, controlado,
sem a menor consciência dos funcionamentos das hegemonias culturais. Estas
funcionam justamente nesse mecanismo subtil e ideológico que as fazem passar por
naturais, ou, como dizia o Guterres, é a vida!Não, não é a vida! It's the
economy stupid!Em todo o caso agradeço o que foi disseram. Há interesse,
curiosidade e nenhuma espécie de falta de respeito no que foi escrito. E nos
blogs isso é já muito.

António Pinho Vargas

A felicidade, segundo Satie


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La "Musique d'Ameublement" est foncièrement industrielle. L'habitude - l'usage - est de faire de la musique dans des occasions où musique n'a rien à faire. Là, on joue des "valses", des fantaisies d'Opéras, et d'autres choses semblables, écrites pour un autre objet. Nous, nous voulons établir une musique faite pour satisfaire les besoins "utiles". L'Art n'entre pas dans ces besoins.

La "Musique d'Ameublement" crée de la vibration ; elle n'a pas de but ; elle remplit le même rôle que la lumière, la chaleur et le confort sous toutes ses formes.

La "Musique d'Ameublement" remplace avantageusement les Marches, les Polkas, les Tangos, les Gavottes, etc.

Exigez la "Musique d'Ameublement".

Pas de réunions, d'assemblées, etc. sans "Musique d'Ameublement".

"Musique d'Ameublement" pour notaires, banques, etc.

La "Musique d'Ameublement" n'a pas de prénom.

Pas de mariage sans "Musique d'Ameublement".

N'entrez pas dans une maison qui n'emploie pas la "Musique d'Ameublement".

Celui qui n'a pas entendu la "Musique d'Ameublement" ignore le bonheur.

Ne vous endormez pas sans entendre un morceau de "Musique d'Ameublement", ou vous dormirez mal.

Erik Satie, compositeur sur-réaliste (e 2)


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A chegada de Tristan Tzara a Paris em 1920 abanou a elite artística da cidade. Satie, cujo humor corrosivo e absurdo datava de muito antes, encontrou no dadaísmo uma linguagem familiar. Precisamente na época em que conheceu Tzara, Satie fez, em colaboração com Darius Milhaud, a Musique d’ameublement destinada a uma peça de Max Jacob. Com a sua “música de mobiliário”, Satie pretendia “contribuir para a vida do mesmo modo que contribui uma conversa particular, um quadro numa galeria, ou a cadeira em que se está sentado, ou não.” Ele ficou, decerto, muito aborrecido quando viu o público ficar silencioso perante uma música que devia ser “não-escutada”, da mesma maneira que são “não-observados” os quadros que decoram uma casa.

Fiel a si próprio, Satie sempre escolheu a via mais radical e individualista. Em 1924, o ano do Manifesto do Surrealismo, Satie escreveu as suas últimas obras: os bailados Mercure (que reuniu de novo Satie, Picasso e Massine) e Relâche (com cenários de Francis Picabia). Ambos os bailados foram aliás duramente criticados pelo grupo surrealista, liderado por André Breton, em grande parte devido a quezílias pessoais. Em Mercure, onde não existia um libreto prévio, Satie escreveu música para um tema “puramente decorativo”, traduzindo os cenários criados por Picasso. Para Relâche, o compositor fez uma música “divertida, pornográfica”, servindo-se de temas populares, “fortemente evocadores”.

Picabia tinha dado a René Clair algumas indicações para a realização de um filme que deveria ser projectado no intevalo de Relâche, tal como se fazia habitualmente no music-hall. Daí nasceu Entr’acte (foto), cuja banda sonora é também da autoria de Satie e que foi concebido como um “entreacto às imbecilidades do quotidiano, que traduz os sonhos e os acontecimentos não materializados que se passam nos nossos cérebros”.

Satie morreu no verão de 1925. O surrealismo foi, tão só, mais uma das correntes artísticas que foram dar à sua música, sempre marcada pelo contacto permanente e frutífero com os pintores e com os escritores da sua época. O “único músico com olhos”, nas palavras de Man Ray, segundo o próprio dizia, tinha vindo “demasiado novo a um mundo demasiado velho”. Nas suas derradeiras obras, Satie apenas repetiu aquilo que sempre tinha feito: adiantar-se à história. A sua influência póstuma prova-o.

2/21/2005

Erik Satie, compositeur sur-réaliste (1)


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Satie, o compositor que outrora se tinha apresentado à entrada do cabaré Chat Noir como “gimnopedista”, nunca usou semelhante cartão de visita. Podemos, contudo, aventurar que não lhe teria desagradado a alcunha, sobretudo sabendo que colaborou na sua invenção. A palavra “surrealista”, no seu sentido original de “sobre-realista” ou, na formulação de Jean Cocteau, de “mais verdadeiro do que o verdadeiro”, foi inventada em 1917 por Guillaume Apollinaire, aquando da primeira apresentação do bailado Parade, com música de Satie. Cocteau imaginou um espectáculo com palhaços e acrobatas, cujo argumento era bastante simples: um circo chega à cidade, e, para atrair o público, os empresários apresentam os artistas, os quais fazem breves demonstrações dos seus respectivos números. O tema central era o da discordância entre a vida do circo e a da cidade, e, quando Cocteau disse, no dia da estreia, que Parade era um “ballet réaliste”, Apollinaire rectificou-o imediatamente: não, realista não, era “sur-réaliste”.

O bailado foi montado pela Companhia dos Bailados Russos de Serge Diaghilev, embora a concepção original da mesma fosse de Cocteau. O escritor responsabilizou-se pelo argumento, e, sobretudo, pela escolha dos seus colaboradores, reunindo no projecto algumas das mais interessantes personalidades artistas daquela época: para além de Satie, de Diaghilev e do próprio Cocteau, Pablo Picasso, o qual fez a cenografia (foto), e o coreógrafo Léonide Massine.

Foi estreado a 18 de Maio de 1917, no meio de um escândalo comparável ao provocado, quatro anos antes, por outro espectáculo produzidos por Diaghilev: Le sacre du printempsi. O visado foi sobretudo Satie, que tinha escrito uma música pobre e aparentemente anódina, cujo objectivo principal era pontuar os rápidos e variados episódios que se apresentavam no palco. Nas palavras do compositor: “Compus um fundo para certos barulhos que o libretista julga indispensáveis para especificar a atmosfera própria de cada personagem.” A partitura está organizada em sequências independentes, onde aparecem os objectos musicais mais heterogéneos, justificando, em certa medida, a pertinência do uso do adjectivo cubista para descrevê-la.

Satie não ficou, porém, refém de “Parade”. Um ano depois da sua estreia, em 1918, mostrou de novo o seu gosto pela simplicidade, no drama sinfónico para solistas e orquestra intitulado Socrate, uma encomenda da Princesa de Polignac escrita sobre excertos dos Diálogos de Platão. O Neo-classicismo tornou-se nessa temporada na palavra de ordem. Picasso tinha descoberto Roma numa das viagens que ali fizera para preparar, com Massine, o seu trabalho em Parade e Jean Cocteau defendeu no seu ensaio Le Coq et l’Arlequin, publicado no mesmo ano de 1918, o retorno ao antigo. Satie apropriou-se logo da ideia.

2/20/2005

Ahora mismo, ya se sabe que 9.866.764 españoles hemos votado sí.

Lo políticamente correcto sería elegir la novena de Rattle, pero Furtwängler es mucho Furtwängler.

Una "Carmen" cantada en xhosa

¿Viva y dinámica? ¿Desastrado, embora bem-intencionado? ¿Stunning? ¿Jolie adaptation d'un opéra? ¿Éprouvant?

Habrá que verla, pero, antes de eso, ya me es simpática como gesto. Pero es que, además, funciona sobre un escenario.

2/18/2005

Cultura e interesse

Hoje, no DN, Pedro Mexia disserta a propósito da secção de Cultura na imprensa escrita, destacando o crescente protagonismo de temas relacionados com o que poderíamos denominar (ele próprio usa o termo) “política cultural”. No seu texto parece assinalar, embora sem grandes desenvolvimentos, que o termo “cultura” deveria ser sobretudo entendido como sinónimo de “criação”.

Quando lido, transparece um certo cansaço provocado, em primeiro lugar, pela transferência dos conflitos de interesses para o debate sobre a cultura e, em segundo lugar, pela exagerada importância que esses temas têm nos meios de comunicação. Seria muito fácil ficarmos pela constatação de que, afinal, isso mesmo acontece com todos os assuntos tratados pela imprensa. Por exemplo, as habituais confusões provocadas pela contratação de jogadores entre taça e taça costumam aparecer na imprensa desportiva ou na secção de desporto dos jornais generalistas, não na de economia. O conflito, a polemica, é uma das bases da retórica jornalística. Noticiar conflitos simplifica de forma notável o trabalho de chamar a atenção ao leitor.

No rescaldo de acontecimentos como a guerra dos comunicados cruçados entre o Ministério de Cultura e a direcção do Teatro Nacional de São Carlos (inseparável, claro está, do desfecho anunciado das eleições de domingo) ou, ainda, do contentamento da Plataforma pela Música pelo apoio recebido pela FNAC (noticiado no PÚBLICO de quinta-feira), a questão assinalada por Pedro Mexia ganha uma curiosa pertinência.

É que a cultura não é apenas sinónimo de criação. Confesso, até, que sou incapaz de fundamentar a associação entre os dois termos de forma hábil. A criação pertence ao domínio do individual e a cultura ao domínio do colectivo. A criação é impositiva, a cultura é receptiva. Cultura é o que está antes e depois da criação.

Porém, tenho a certeza que cultura é sinónimo de luta e de mercado, de vontade de sedução e de domínio. Por isso, é – como, de resto, sempre foi no seu sentido contemporâneo – inseparável dos conflitos de interesses. É por isso gosto de ler notícias e colunas de opinião relacionadas com esses assuntos, particularmente quando se referem a objectos ou acontecimentos financiados com os impostos.

No entanto, também concordo com a ideia de que, se pudéssemos ficar apenas pela reflexão em torno da criação, tudo seria tão bonito como brincar sempre e viver em castelos encantados onde não têm entrada coisas feias como a política e o dinheiro.

Bárbaro!

A crise no São Carlos, que há dias circulava como rumor, materializou-se ontem num comunicado da direcção do Teatro onde se anunciava que a falta de verbas tinha provocado o cancelamento da temporada lírica. O Ministério emitiu a seguir uma espantada e ofendida nota de imprensa, à qual respondeu a direcção do Teatro com um desafiante: «Mostra lá a rubrica com os meus tostões». Rossini no seu melhor.

Tive um primeiro ataque de dignidade – e de egoísmo profissional, confesso – e comecei logo a pensar na infelicidade destes tempos de McDonalds e MTV, na barbárie que nos rodeia e agride a nós, cidadãos romanos de pleno direito, na cultura da tanga... naquelas coisas do costume.

Lembrei-me depois do estremecedor artigo assinado por Medina Carreira no PÚBLICO de 1 de Fevereiro e dos milhões que nunca pisaram a belíssima sala do São Carlos e nunca tiveram a oportunidade de apreciar a sua acústica, em todos os que ainda não tiveram a sorte de viver e de aprender a apreciar uma representação ao vivo de Don Giovanni, de La Traviata, de Peter Grimes...

Pensei logo para os meus botões: «Querida, estás a ficar uma populista. Bah». Mas há uma desagradável sensação que ainda não me abandonou.

2/17/2005

Crise no São Carlos

O São Carlos acaba de anunciar oficialmente a suspensão da temporada lírica a partir do próximo 31 de Março. 1.500.000 euros têm a culpa.

2/14/2005

O declínio do homem público


Posted by Hello

No seu blogue, o Sérgio Azevedo transcreveu ontem o seguinte texto do António Pinho Vargas:

Sobre a melancolia física do artista. Íntima e desoladamente, vou estando cada vez mais convencido da inutilidade da arte e da música no quadro do espaço-tempo em que vivo. Uma nova obra portuguesa, amputada quase sempre dos seus modos actuais de sobrevivência – a edição da partitura e a edição discográfica – destina-se à categoria de desperdício patrimonial virtual e acrescenta-se às anteriores como alimento para a persistência do secular discurso lamentoso. É tempo de considerar esta situação definitiva, irreformável. Esta não é uma boa notícia mas mais vale considerá-la verdadeira para melhor se poder interpretar a hipocrisia dos discursos oficiais de sempre e a permanência das insuficiências de todo o Séc.XX. Resta ao criador considerar a sua obra como uma carta escrita aos amigos destinada a ser lida daqui por mil anos, na melhor das hipóteses. No entanto, quando componho, sinto-me como que deslocado para fora das determinações do real e concentrado na coisa-em-si e assim posto em sossego na atitude desinteressada kantiana.
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Decidi entretanto incluir este texto em todas as notas de programa com peças minhas até chegar o improvável dia em que pense estar desactualizado. Porque na verdade as boas notícias descritas - são boas notícias, especialmente a que se refere ao que ainda não aconteceu, o Kartunnen ser solista na minha terrível nova peça - não alteram nada daquilo que enuncio no texto de Setembro de 2004. Partilho aliás a opinião de José Gil sobre a possibilidade de Portugal acabar por repetida e persistente incapacidade de se auto-governar e, em especial, com tudo o que está implícito na ideia “roubaram-me o espaço público”. Deve ser lido, mas como nos roubaram o espaço público, tenho dúvidas...


Um - entre muitos - dos talentos do António Pinho Vargas que mais aprecio é que sempre consegue incitar à reflexão a quem o escuta ou lê os seus textos. Neste caso, e por enquanto, a minha reflexão vem apenas pela lembrança deste ensaio, da autoria de Richard Sennett (reputado sociólogo que é também músico).

Admito, no entanto, que, a propósito do livro de José Gil, estou mais próxima da leitura realizada por Eduardo Cintra Torres há dias no jornal PÚBLICO (por exemplo, no que diz respeito à ligação de ensaios como este com o "excesso de identidade" dos portugueses), mas isso não invalida a sua importância.

La 'música clásica' y sus controversias

La coincidencia de los montajes de Parsifal, en el Liceu, y de Lohengrin, en el Real, con las conmemoraciones de los 60 años de la liberación de Auschwitz es el pretexto de este artículo, de la autoría de Luis G. Iberni.

Su lectura me hizo pensar en este otro, firmado por Paul Mitchinson, que también viene al caso después de los Grammy concedidos a On the transmigration of souls, de John Adams.

Que yo recuerde, Os dias levantados, de António Pinho Vargas y Manuel Gusmão, es la única obra portuguesa reciente que ha provocado alguna controversia. No me parece que haya habido en los últimos años en España ninguna obra comparable ni como mirada sobre la historia más reciente, ni como "manifiesto" estético.

A propósito de los Grammy

La grabación de On The Transmigration Of Souls, de John Adams, editada por la Nonesuch Records, fue la gran vencedora de la última edición de los Grammy, cuyos resultados fueron anunciados públicamente ayer. Dentro de la sección de "música clásica", fue distinguida en las categorías "Best Classical Album", "Best Orchestral Performance" y "Best Classical Contemporary Composition".

Quienes hayan tenido la oportunidad de escuchar la obra concordarán con la elección, independientemente de la carga política que la misma evidencia. Aunque personalmente también aprecie la obra de Stockhausen y Nono..., hace tiempo que me dejé seducir por John Adams, por su sentido de la contemporaneidad y porque, tanto a través de su música como en sus intervenciones públicas, siempre tiene cosas pertinentes que decir.

Le Nozze di Figaro, de René Jacobs, fue considerada, sin sorpresas, la mejor grabación de ópera, pero cabe referir que en esta misma categoría también estaba nominada la ópera El gato con botas, de Xavier Montsalvatge, quien, si no fuera por Manuel de Falla, debería ser considerado el mayor compositor español del siglo XX (ahí es nada!). EL CD está editado por la etiqueta catalana Columna Música.

El hecho de que en 2004 la Cuarta Sinfonía, de Joly Braga Santos (a propósito del cual también habría que decir que, dejando de lado a Fernando Lopes-Graça y a Jorge Peixinho, es el mayor compositor portugués del siglo XX), dirigida por Álvaro Cassuto y editada por la etiqueta Marco Polo, fuese premiada en los Cannes Classical Awards (MIDEM) da, desde luego, que pensar.

Adams, Montsalvatge, Braga Santos... al final, va a resultar que hay compositores del siglo XX que sí tienen audiencia.

¿Cómo vamos a dormir tranquilos, después de saber esto?

2/10/2005

Afinal, o ogre é o copyright

Regularmente, as associações de autores, pelo menos em Portugal e em Espanha, lançam “fatwas” particulares contra a piratagem na rede. A mensagem é tão insistentemente repetida, que quase que apetece acreditar nela.

Há, porém, outros pontos de vista que denunciam os efeitos perversos que têm os direitos de autor no desenvolvimento da carreira da maior parte dos criadores. Em 2002, por exemplo, Ignacio Escolar publicou um artigo que provocou as iras da SGAE, no qual pedia que, por favor, pirateassem as suas canções. Há dias, defendeu, de novo, as vantagens de serem os próprios autores os gestores dos seus direitos através de licências virtuais (Creative Commons).

Nestas semanas, o jornal virtual First Monday, tem prestado atenção ao asunto, convertindo o copyright no papão da história e, ainda, proporcionando uma perspectiva mais reflexiva e abrangente sobre o impacto da tecnología digital na música.

Se tiverem tempo, recomendo ambas as leituras: estas, sim, estão a falar sobre a música no século XXI.

2/09/2005

Stockhausen, música para el siglo XXI?

La reputada Revista de Occidente publicó, en diciembre de 2004, un dossier dedicado a la “Nueva música hacia el siglo XXI”. Curiosamente, cuando se leen los artículos incluidos, se llega a la conclusión de que su objetivo es, fundamentalmente, santificar la obra de Stockhausen y Henze, subrayando el papel de la obra de la Escuela de Viena como epifanía de la contemporaneidad musical.

Uno de los textos se dedica, incluso, a justificar la
desafortunada (por usar una expresión cortés) reacción de Stockhausen ante los acontecimientos del 11-S. El ensayo de Susane Zapke (disponible en PDF en el site de la revista), centrado en la obra de Schoenberg y Berg, es interesante y está bien planteado, pero ¿su lectura será realmente necesaria para entender mejor la música del siglo XXI?

¡Hasta en Portugal!

No passado dia 4, o diário electrónico Mundo Clásico noticiou que os compositores espanhóis tinham mostrado a sua preocupação pela inexistente procura, no seu país, de nova música. Da sua autoria, entende-se...

Num momento dado, durante a reunião na qual foram discutidas diversas questões relativas à composição contemporânea em Espanha, o compositor Mauricio Sotelo afirmou o seguinte: "Los compositores en España no pueden trabajar", porque – seguindo Mundo Clásico – “España es el único país de su entorno que no dispone de un departamento de enseñanza de música contemporánea en las universidades”. Ao qual Sotelo adicionou: isto é "algo en lo que ya nos han tomado la delantera hasta en Portugal".

O artigo inteiro dava, como se diz, “pano para mangas”, e espero voltar a ele futuramente, mas não resisto a fazer, já, algumas observações. Acontece que foram os próprios conservatórios superiores de música espanhóis os que, na década de 70, se recusaram a serem encuadrados no ensino superior (ao contrário, por exemplo, das escolas de artes, que serviram de base para as actuais facultades de Belas Artes). Essa é uma das razões pelas que compositores como o próprio Mauricio Sotelo, depois de ter feito o considerável esforço de sair de Espanha à procura de uma formação que lhe era aí negada, ao seu regresso, se encontraram com as portas fechadas para desenvolver a via do ensino, importantíssima para uma boa parte dos compositores contemporâneos.

Parece que o processo de Bolonha está a provocar uma revolução nos conservatórios superiores espanhóis. Decidiram, finalmente, que também querem fazer parte do ensino superior, tal como as universidades. Agora, um número considerable das vagas de professor estão ocupados pelos que, ao contrário de Mauricio Sotelo, não saíram de Espanha para completar os seus estudos. A sua reconversão em Profesores Doutores vai ser um espectáculo a não perder.

2/03/2005

Fim-de-semana comprido

A preparação de duas conferências, os meus caros alunos e todas as outras coisas do costume vão manter-me entretida nos próximos dias.

Mas, para a semana, há mais.

Mais coisas boas


Posted by Hello

Hoje recebi um CD com obras recentes de Sérgio Azevedo (na foto). Não me peçam a referência porque, infelizmente, nenhuma delas está gravada comercialmente. Todas mereceriam uma menção especial, mas é apenas uma delas, o Concerto para Dois Pianos, a que está directamente ligada a este post. Quase dois anos depois da sua estreia, acabo de escutá-la e este comentário vem no rescaldo do meu entusiasmo: a obra é mesmo muito boa. Para quando é que poderá ser escutada ao vivo em Portugal?

O concerto, escrito entre 1999 e 2003, é dedicado a José Ramón Encinar. Foi o resultado de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, mas, estranhamente, a sua estreia teve lugar em Madrid, no Auditorio Nacional de Musica no dia 10 de Junho de 2003. Os intérpretes foram os magníficos António Rosado e Artur Pizarro, juntamente com a Orquesta de la Comunidad de Madrid sob a direcção de Luca Pfaff.

O próprio Sérgio identifica as citações que utiliza na obra, recorrendo a alguns compositores que fazem parte do seu «cânone» pessoal: Ligeti, Nielsen e Mahler. Contudo, o recurso à citação, neste caso é um assunto secundário, porque o que se destaca é um universo criativo muito coerente, que remete para outras obras da sua autoria. O concerto enquadra-se numa das (múltiplas) facetas do autor, que se evidencia especialmente na sua produção posterior a 1998, onde ao rigoroso trabalho do ponto de vista da técnica da composição, junta-se a busca de novos efeitos sonoros. A peça também reflecte um certo gosto pela reprodução de efeitos mecânicos, assim como a sua pessoal ironia. A surpreendente riqueza, técnica e poética, que se evidencia no seu extenso catálogo, faz com que seja bastante redutor considerar este concerto como estritamente “representativo” do seu estilo. Contudo, coloca-nos perante um universo sonoro denso, repleto de acontecimentos, e ao mesmo tempo um pouco obsessivo e grotesco, que é a assinatura do compositor.

Claro está, gostava que pudessem escutar o concerto. Por enquanto, vão ter de conformar-se com a leitura do comentário à obra feito pelo próprio autor:

«O Concerto para Dois Pianos foi composto entre 1999 e 2003. Se o Quinteto de Clarinete (1996) provou ser um ponto de viragem na minha música, Atlas' Journey (1998) foi sem dúvida a culminação desse ponto de viragem. Tanto o Concerto para Dois Pianos e Atlas' Journey são, sem dúvida, os pontos culminantes desse período, no qual comecei uma aproximação mais sistemática a técnicas de composição baseadas em grupos de tons inteiros, harmonia espectral, heterofonia, campos harmónicos e um cuidado extremo com certos efeitos peculiares de produção do som. As ideias poéticas e formais são agora completamente baseadas na análise de pinturas como a série das Catedrais de Monet, os desenhos impossíveis e enigmáticos de Escher, as pinturas surrealistas e contraditórias de Magritte, estruturas topológicas, fractais, séries numéricas, o mundo de escritores como Gombrowicz, Kafka, Mann, Borges e Musil, o cinema mudo dos primeiros 30 anos do século XX (particularmente os filmes de Murnau, Lang, Wiener, Dreyer e Chaplin), a ideia de caos, a nova física e as novas teorias matemáticas e cosmológicas, tempo e relógios, labirintos, mitos e estranhos mecanismos, a música louca e funcional dos “cartoons” e marionetas, as velhas teorias de ritmo e acentuação, o folclore da Europa Central, as novas teorias da percepção e da psicologia auditivas, e ainda a música de compositores como Stravinsky, Prokofief, Ligeti, Lindberg, Adams, Francesconi, Maxwell-Davies, Berio ou Birtwistle, entre outros. Todas estas variadas influências e ideias são tornadas coerentes pela análise dos seus pontos comuns. O uso de software especialmente desenhado para a edição musical foi também importante para mim, uma vez que posso agora facilmente analisar, por exemplo, mudanças extremas de tempo, ou cortar camadas e secções e combiná-las de novo num contexto completamente diverso. O Concerto para Dois Pianos, juntamente com Atlas’ Journey, aponta pois para uma nova direcção estilística.
Quis escrever uma peça extremamente brilhante e luminosa, rápida e virtuosística, como Petruska, na qual o humorístico e catastrófico mundo das marionetas estivesse presente. Porém, se em Atlas' Journey existe uma espécie de “história” por detrás da música, mesmo se não invectivando a música, no Concerto esta “história” não existe de todo. Pela primeira vez (sem contar com as obras tonais do meu catálogo), compus uma peça dividida em vários andamentos, uma fórmula que faz mais sentido para mim agora do que fazia há uns anos atrás, talvez uma consequência da nova claridade e direccionalidade harmónica da própria música.
No Concerto, tal como já em Atlas’ Journey, utilizo algumas citações “falsas” de outras peças, a maior parte escondida na estrutura profunda da obra, ou contendo tantas características comuns com a minha própria música, que raramente se “ouvem”. Tais citações servem servem unicamente propósitos simbólicos e poéticos pessoais, não tendo pois outro papel estrutural que não o de enfatizar alguns momentos da obra. A única citação real que é possível perceber claramente pode ser ouvida no primeiro andamento, uma espécie de rapsódia de sabor húngaro, cheia de ideias diferentes e um pouco caótica na sua construção. A fanfarra que serve como “sinal” inicial partilha algum humor com a bizarra música de “levantar de cortina” que se pode ouvir no início da ópera Le Grand Macabre de Ligeti. Também é evidente alguma música rápida, em atmosfera de tocata, que provém em linha directa de obras como os 2º e 3º Concertos para Piano de Prokofiev, ou do Concerto para Piano de Ligeti. Mas as única verdadeiras citações são de Ligeti (10 Peças para Quinteto de Sopros) e de Nielsen, da 6ª Sinfonia. No terceiro andamento, só para cordas e harpa, é o Adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler que serve de elemento desconstrutivo, numa quase-citação em que é apenas sugerido o ambiente harmónico dessa obra.»

2/02/2005

Também o futuro da ópera passa pela net

A última montagem do Teatro Liceu, do Parsifal, tem como protagonista o tenor Plácido Domingo. Por este motivo é entrevistado esta semana em El Cultural, onde comenta questões relacionadas com o seu trabalho. É agradável, não apenas a cordialidade que transparece em todas as suas aparições, mas também a visão ampla e descontraída que tem da sua actividade profissional. Não é muito habitual encontrar alguém que concilie, e menos ainda com essa naturalidade, talento artístico e capacidade de gestão, o erudito e o popular, o canto e a batuta...

Na entrevista, Domingo lembra que, num futuro não demasiadamente longínquo, a difusão da ópera será feita através da rede. Imaginem, será também possível fazer a correspondente crítica online e em tempo real: só vantagens... Deixando de lado a piada, essa é já uma realidade, embora ainda em fase experimental. Referi, por exemplo, há dias o projecto Opera Oberta, assinado pelo Teatro Liceu com várias dezenas de Universidades espanholas e iberoamericanas, e também com a Universidade do Minho. A importância técnica do projecto, no qual estão obviamente envolvidos outros parceiros, vai para além do facto de estarmos a falar de ópera. A qualidade da imagem e do som que chega às salas onde se visiona, em directo, cada representação é excelente.

Os avanços das novas tecnologias já chegaram, inclusive, às notas à margem. Há dois foi apresentado o «concert companion», um PDA especialmente dedicado ao comentário de obras musicais eruditas. Houve quem o achasse uma forma de chamar novos públicos às salas de concerto. No ano passado, a Filarmónica de Nova Iorque testou o aparelho (pode ser interessante conhecer a opinião do autor dos textos explicativos, Greg Sandow). Mas o certo é que desde essa altura, que é quando eu própria fiquei a saber da sua existência, não se tem falado muito mais no assunto. Talvez, pelas evidentes razões invocadas pelos seus críticos.

Meus senhores, estou farta

Encontro-me aqui, neste agradável dia de Fevereiro, aproveitando a pausa do almoço para escutar a gravação pirata que fiz da retransmissão realizada pela RDP (espero que a SPA me desculpe: é só para uso privado, juro que não faço cópia alguma) da primeira récita da Medea apresentada no São Carlos no passado dia 25 de Janeiro e o veredicto é o seguinte: é impossível encontrar qualquer parecença entre o que estou a ouvir e o que descreve o meu caro Henrique Silveira no seu blogue (a propósito do espectáculo da passada segunda feira, ao qual não assisti).

Que o naipe dos violinos da OSP não é bom? De facto, há tempos que isto vem sendo dito e redito e, confesso, prefiro ouvir os de outras orquestras, mas na OSP há outros naipes que funcionam de forma excelente e que têm uma sonoridade mais do que razoável, músicos magníficos que merecem algum respeito.

Que é evidente a prudência e que há entradas falhadas e algumas transições embrulhadas? Acontece que esta é uma primeira apresentação de uma ópera num palco português, não uma gravação da EMI, e que os momentos conseguidos – muito bem conseguidos – são também muitos, a maioria aliás.

Que, na ópera, habitualmente, há mais coisas para além da soprano? Pois é, grande descoberta, mas esta é uma ópera que se centra – dramática e musicalmente – de forma exagerada na personagem principal: se a soprano falhar, adeus.

Que podemos adivinhar os problemas que vive a diário o São Carlos? Mais outra grande descoberta. Mas acham que pode haver alguma coisa pior para um teatro de ópera do que não conseguir anunciar uma temporada porque o orçamento não está assegurado?!!! Teoricamente, os pontos assinalados pelo Henrique até são pertinentes, mas, já agora, também seria edificante ler o que ele tem a dizer a propósito da – na sua opinião modelar, suponho, porque, que eu saiba, não tem nenhum blogue sobre o assunto – planificação estratégica da empresa para a qual trabalha: o Ensino Superior Público português.

Agora é que fiquei mesmo farta deste assunto.

Into the blue


Posted by Hello
Una respuesta más, de la mano de Rebecca Saunders.

2/01/2005

Gratitude du vol!


Posted by Hello

Una compositora a la que no le gusta aburrirse cuando escucha su propia música y una respuesta, entre otras posibles, a los que tienen reservas acerca de la creación musical más reciente.

Las aspiraciones secretas de la musicología

Una de las cosas que me cuesta a veces digerir en mi relación diaria con los medios de comunicación - sobre todo como lectora y como oyente, porque casi no consumo televisión - es la cuestión de la elección de aquello que justifica que una determinada información tenga relevancia en detrimento de otras. Por supuesto, ya sé que éste es un asunto más que debatido por los expertos en comunicación social (incluyendo aquí no sólo a los académicos, sino a los periodistas, a los que mucho respeto) y que constituye uno de los fundamentos del periodismo, así que nunca podrá ser pacífico. Que no estoy descubriendo la rueda, vaya.

Una noticia, publicada en medios de varios países, relativa a la primera audición moderna de una obra hasta ahora inédita de Beethoven, me recordó una vez esa cuestión. Como decía, una obra de Beethoven inédita iba a ser presentada en el siglo XXI. Me pareció divertido imaginar que éste era el acontecimiento al que aspiran todos los departamentos de Ciencias de la Música: finalmente, la musicología daba al mundo una noticia digna de figurar en la primera página de todos los periódicos... un experto mundial en Beethoven, después de detectivescas y arriesgadas incursiones en los fondos del British Museum, lograba la proeza máxima de permitir que podiésemos escuchar una música hasta ahora no oída, una experiencia única, irrepetible, mágica...

El entusiasmo se vio empañado en mi caso por la angustia: en mi vida había leído nada de la autoría del referido especialista. Gracias a esta noticia, de 2003, entendí que el experto (que no aparece en las bases de datos del Beethoven Center y del RILM) parece ser, al final, un compositor que ya había reconstituido otras obras de Beethoven a partir de esbozos. Y que, por lo tanto, lo que se iba a escuchar hoy en Rotterdam hasta incluso se podría considerar, extremandol las cosas, una pieza musical de la autoría de Cee Nieuwenhuizen, pastiche del estilo de finales del siglo XVIII en el que se han incrustado fragmentos del compositor de Bonn.

En la primera redacción de este post, siguiendo el mismo tono caricaturesco, acababa diciendo que la moraleja de la historia era que una no se podía creer todo lo que leía. Sin embargo - y creo que así se explica mejor el título del comentario - de lo que verdaderamente quería hablar era de que la musicología es algo más que eso. No es sólo que me parezca importante recordar los millares de obras que no forman parte del «repertorio» y que no tenemos tiempo u oportunidad de escuchar (y ellas y sus autores de ser escuchados). Salió hace algunas semanas - un ejemplo entre otros muchos posibles - la nueva historia de la música publicada por la Oxford, de la autoría de Richard Taruskin. En un mundo al revés, ése sí que hubiera sido un buen asunto para noticia de apertura del telediario.