5/18/2008

Para meter na agenda

Mónica Pais, a quem tive o prazer de escutar na passada edição do Festival Cistermúsica na estreia do ciclo vocal Inês (uma bela obra de Carlos Marecos sobre a qual escrevi aqui), vai ser a Leonora de Il Trovatore.

Ou é o que parece. Explico-me.

Ela falou no projecto depois daquele concerto. A ópera estava prevista para o Verão de 2007 (e se calhar aconteceu e eu não reparei). Passados estes meses todos, hoje acabo de vê-la anunciada no Cartaz do Expresso. Na notícia, refere-se apenas a Orquestra do Norte. Como me lembrava da conversa de Alcobaça, fui confirmar a participação da soprano no site do agrupamento, mas ali, a duas semanas do evento, apenas se cita o director musical, o maestro José Ferreira Lobo, e a directora de cena. Finalmente, usando com perícia o Google, cai na agenda do Sapo, onde, pelo menos, o nome de Mónica Pais é mencionado, misturado no meio do resto do elenco. Óptimo marketing, sim senhor.

Il Trovatore vai ser apresentada em Vila Real (29 de Maio), na Guarda (31) e em Portalegre (6 de Junho). Seja como for, e sobretudo se a Leonora for mesmo ela, acho que, para quem more por esses lados, valerá a pena dar un saltinho aos respectivos teatros e escutá-la.

Já agora. Andei a espreitar o calendário da Orquestra do Norte e fiquei a saber que se apresenta também em Lisboa. Será no CCB, no dia 4 de Junho. No programa anuncia-se que Emanuel Salvador, concertino da orquestra, será o solista numa obra de Sarasate. Julgo que o jovem violinista é, tal como Mónica Pais, um músico que vale a pena escutar.

5/17/2008

Au bord de l'eau



S'asseoir tous deux au bord d'un flot qui passe,
Le voir passer;

Tous deux, s'il glisse un nuage en l'espace,
Le voir glisser;

A l'horizon, s'il fume un toit de chaume,
Le voir fumer;

Aux alentours, si quelque fleur embaume,
S'en embaumer;

[Si quelque fruit, où les abeilles goûtent,
Tente, y goûter;

Si quelque oiseau, dans les bois qui l'écoutent,
Chante, écouter...]

Entendre au pied du saule où l'eau murmure
L'eau murmurer;

Ne pas sentir, tant que ce rêve dure,
Le temps durer;

Mais n'apportant de passion profonde
Qu'à s'adorer;

Sans nul souci des querelles du monde,
Les ignorer;

Et seuls, heureux devant tout ce qui lasse,
Sans se lasser,

Sentir l'amour, devant tout ce qui passe,
Ne point passer!

Poesía de Sully Prudhomme (Les vaines tendresses, 1875), puesta en música por Gabriel Fauré (Op. 8, nº 1, 1875) y cantada por Ninon Vallin.

El estreno de Death in Venice


Foto de Antoni Bofill, retirada del site del Liceu.

¿Cómo será la experiencia de escuchar la música de Death in Venice en Snape Maltings, la sala donde tuvo lugar su primera audición? Revestida de madera y ladrillo, y más pequeña que el Liceu, puedo suponer que devuelve una imagen sonora más rica, poniendo en relieve la instrumentación, camerística y ascética, de la obra. Pueden quedarse tranquilos, no me he convertido en una fanática de la interpretación históricamente informada. Sólo intentaba explicarme la impresión con la que salí ayer del teatro.

Anoche, a pesar de la empeñada dirección musical de Sebastian Weigle, me pareció que parte del refinamiento y del efecto dramático de la partitura quedó un tanto neutralizado por la ausencia de brillo y densidad del coro y la orquesta. También me pareció que se perdió parte del colorido del inglés, que de forma magistral Britten exploró en su obra. Hans Schöpflin, en el papel de Aschenbach, se deja la piel en el escenario y tiene una voz perfecta para representarlo (maleable y expresiva, con una técnica segura que le permite aguantar un monólogo que se prolonga durante dos actos), pero la fonética del alemán le traiciona (por su parte, Scott Hendricks, en el complejo multi-papel que Britten destinó al barítono, y Carlos Mena, la voz de Apolo, estuvieron estupendos).

En la excelente puesta en escena de Willy Decker, el intelectual Aschenbach deambula durante los dos actos, inmerso en su impotencia y sufriendo la invasión de la irritante realidad en su ensueño. Como vi hace poco, en Amsterdam, su versión de Katia Kabanova, disfruté comparando ambas y apreciando la forma como trabaja un vocabulario escénico que le es propio, evidente, por ejemplo, en la abstracta, múltipla y siempre enriquecidora y pertinente compartimentación del espacio escénico, el (amenazante) movimiento de los grupos (coro, bailarines, personajes secundarios o figurantes) en torno al protagonista... Obviamente, parte del éxito se debió igualmente a su equipo, el mismo que le apoyó en la ópera de Janácek (la ficha técnica del Liceu está aquí).

Death in Venice propone una ambigua reflexión en torno al concepto de belleza - encarnada en Tadzio y apropiadamente escenificada por Venecia - que, para Britten, estaba inherentemente ensombrecido por la crueldad y tintado de tragedia. De esta "evil opera" - así la describió Peter Pears - que es, además, el testamento artístico de Britten no se pueden esperar concesiones, ni una experiencia leve y agradable. Su estreno en España ha supuesto otro triunfo para el Liceu. Incluso con las limitaciones que he empezado señalando, el espectáclo recreó el imperioso efecto que las obras de Britten imponen sobre el espectador: la mejor prueba de que consiguió tocarme es que hoy me he visto en la necesidad de escribir sobre él en el blog.

5/14/2008

António Rosado

A (longa) entrevista, que transcrevo a seguir (contrariando todas as regras editoriais dos bons blogs), não faz justiça à vivacidade do entrevistado. E, obviamente, também não dá conta da sua arte como pianista. Fica aqui como lembrança e, sobretudo, como homenagem pelos seus trinta anos de carreira: três décadas, das quais tenho acompanhado quase duas, marcadas pela seriedade e pela paixão pelo piano e repletas de momentos mágicos e de interpretações magistrais.

António Rosado ou a música como razão de existir

Como lembra as suas primeiras experiências musicais?

A minha primeira experiência musical deve datar do útero. Na minha casa sempre houve música. Esta acabou por ser uma não escolha para mim, porque fez sempre parte do meu ambiente. Sempre esteve perto de mim, de uma forma naturalíssima, e, até hoje, nunca se me pôs a questão de eu poder ter feito qualquer coisa diferente.

Sempre teve o mesmo significado para si?

Com a idade a música vai representando coisas diferentes. Começou por ser uma brincadeira, depois passou a ser uma coisa mais séria e hoje é a minha razão profissional, e não só, a minba razão de existir. As coisas vão evoluindo, não a música: somos nós os que vamos evoluindo relativamente à música.

Estudou, portanto, com o seu pai…

Sim, a minha introdução à música foi caseira, cem por cento caseira… O meu pai e o meu avô eram acordeonistas profissionais e eu próprio comecei a tocar o acordeão quando tinha três anos.

Confrontou alguma vez algum tipo de preconceito relativo a esse instrumento quando entrou para o Conservatório?

O acordeão é um instrumento muito ligado à música popular, mas, no meu caso, desde muito cedo abordei um tipo de repertório erudito. Há uma disciplina ligada ao acordeão, que pouca gente conhece, de música clássica, por assim dizer, com um repertório formado por obras escritas expressamente para ele e por transcrições de peças pensadas para outros instrumentos. Toda a minha actividade como acordeonista, em concertos e concursos internacionais, foi feita com base nesse tipo de repertório. Não tem muito a ver com o instrumento popular. A mudança para mim não foi, portanto, tão radical. Houve até obras que cheguei a trabalhar nos dois instrumentos em fases diferentes da minha vida. É, porém, certo que o piano tem o repertório inesgotável.

Durante quanto tempo conciliou o acordeão e o piano?

Toquei os dois instrumentos entre os 10 e os 15 anos, quando acabei por me decidir pelo piano.

O seu talento para a música fez de si uma criança diferente?

É claro que não brinquei tanto como os outros. Tocando dois instrumentos diferentes, mais a escola, o tempo era pouco. Mas esse foi o único entrave que encontrei.

E como se decidiu pelo piano?

O piano surgiu por acaso. Quando fui para o conservatório, aqui em Lisboa, achei que era o instrumento mais generalista, o que melhor servia para outras disciplinas, tais como a composição ou a análise. Não gostava mais dele do que dos restantes.

Em que é que o acordeão lhe ajudou no desenvolvimento da sua carreira?

Deu-me uma preparação sem a qual não teria evoluído tão rapidamente no início dos meus estudos no Conservatório, tanto no sentido musical, como no sentido físico. A passagem, do ponto de vista técnico, foi muito mais fácil do que teria sido se eu tivesse vindo de um outro tipo de instrumento. No meu primeiro ano consegui concluir o quarto ano de piano, e, por conselho de Gilberta Paiva, a minha professora, tentei avançar o mais rapidamente possível até ao final do curso superior por forma de aproveitar uma idade viável para poder partir para outras experiências, nomeadamente no estrangeiro. Ela aproveitou o facto de ter chegado às suas mãos com um nível técnico mais avançado do normal e incentivo-me a acumular cadeiras e a acabar o curso muito rapidamente.

Imagino que, para além da agilidade técnica, conservou também, como mais valia, a sua experiência do palco, não?

Essa é, com efeito, uma coisa importantíssima. Habituei-me desde sempre ao palco. Lembro-me que em criança tocar em público era para mim uma alegria enorme. Depois, quando cheguei ao Conservatório, enquanto muitos dos meus colegas ficavam aflitos na época das audições, para mim, ao contrário, era um prazer. Era no palco que eu me sentia bem e, isto, claro está, foi uma vantagem enorme.

Tem alguma lembrança especial dessas suas primeiras apresentações públicas?

Digo isto com uma grande saudade, mas não houve uma vez que fosse realmente diferente das outras. Como digo, ia para o palco com alegria e sentia-me ali optimamente. Era onde eu me ultrapassava relativamente ao que estava previsto fazer e ao que tinha estudado. Agora é que é um pouco diferente…

Referiu antes de Gilberta Paiva, a sua professora, alguém marcante no seu percurso…

É alguém por quem guardo a melhor estima e cada vez mais, porque mais o tempo passa e melhor entendo determinadas coisas. Estima, não só pelo seu valor, mas também pelo que me ensinou, pelo empenho que pôs nesse ensinamento durante vários anos e pela visão que teve, na medida em que, no lugar de aproveitar um bom aluno como trunfo, tentou o rapidamente que entrasse num circuito que me obrigasse a prosseguir os meus estudos em outros níveis. Foi aluna de Marcos Garin, um pianista que pertence à mesma geração que José Viana da Mota. Chegou a ter alguma actividade concertística, atingindo um certo sucesso, mas acabou por se dedicar ao ensino, tornando-se numa das maiores formadoras de escola do nosso país. Foi também uma grande lutadora, algumas de cujas obras ainda subsistem. O seu era um tipo de ensinamento muitíssimo sólido. Tinha um empenho, uma dedicação, que chegava por vezes à severidade e que me permitiu ultrapassar todas as dificuldades no Conservatório.

Acha que os programas oficiais podem ser um obstáculo para o desenvolvimento de alunos mais talentosos?

Há idades para tudo é certo que as crianças têm uma facilidade para aprender que perdem com os anos. Mas, no Conservatório, mais grave do que os programas oficiais, é o amadorismo de muitos alunos, uma consequência do medo que têm de enveredar por uma carreira profissional exclusivamente ligada à música. Porém, sem dúvida, quem aspirar a uma carreira mais ambiciosa deve poder tocar determinadas coisas muito cedo.

Em 1978 conheceu Aldo Ciccolini…

Pois foi. No verão desse ano encontrei Ciccolini nos Cursos de Verão do Estoril. Houve logo uma grande empatia pessoal entre nós e combinámos que, no caso de eu concluir o curso superior no ano seguinte, me receberia em Paris como aluno. E assim aconteceu.

Ele disse-me numa entrevista que você é o seu aluno preferido…

Ele é muito simpático… Embora talvez não o tenha dito apenas por ser simpático, porque então ele deveria dizer isso das dezenas, senão centenas, de alunos que já estudaram com ele… Já tem afirmado isso em outras ocasiões e, embora me deixe sempre um pouco embaraçado, é certamente para mim um motivo de orgulho.

Em que é que se baseou a vossa empatia?

Houve, claro está razões puramente musico-instrumentais. Ainda me lembro do recital que deu naquele verão no Teatro São Luiz, para mim, então um miúdo, foi como se o seu piano fosse um instrumento completamente diferente àquilo que eu tinha estado a escutar até aquela altura. O seu pianismo, a sua qualidade sonora, o cuidado que dava ao detalhe… tudo era para mim novo e diferente. O nosso entendimento tem a ver também com o facto de eu ter ficado sob a aprendizagem dele durante um período de tempo muito longo. Fui o seu aluno regular durante cerca de dez anos. Agora não sei qual é a moda, mas na altura era habitual assistir às aulas de muitos pianistas, de andar a saltitar de professor em professor. Eu, como sentia que continuava aprender nas suas aulas, embora tivesse assistido a “master-classes” com outros, não tive a necessidade de parar. Imagino que isso foi também satisfatório para ele enquanto professor.

Em que aspectos foi a influência de Ciccolini especialmente marcante para si?

Uma das coisas nas quais ele me ajudou imenso foi na construção dos programas. Por vezes, cai-se na tentação de tocar uma peça apenas porque se gosta dela, ou porque é difícil, ou porque está na moda. Um programa deve ser encarado como um todo que deve fazer sentido, que deve ter uma razão de ser, coerência e um significado próprio. De resto, as aulas com Aldo Ciccolini dependiam muito do tipo de aluno, e, portanto, tanto podiam ser enfadonhas, como apaixonantes. Digo isto com conhecimento de causa, porque era dos únicos alunos que sempre que podia ficava a tarde toda a escutar os meus colegas. Sempre pensei que aprendia mais assim do que sendo eu a tocar: estamos mais disponíveis para perceber tudo. Sendo ele uma pessoa extremamente liberal e muito aprazível – foram raras as vezes em que o vi zangado durante as aulas –, o que ele fazia sempre era esperar e deixar mostrar ao aluno a sua personalidade. Tudo o que ele dizia era sempre pertinente e, mesmo que ele não falasse, bastava que pusesse as mãos no teclado para nos deixar boquiabertos.

Lembra-se dalguma aula em particular?

Houve uma coisa que me fez perceber que eu não era para ele um aluno indiferente. Ele dá muita importância às dedilhações e, uma vez, teve a paciência de escrever, pensando-a especialmente para mim, divertidíssimo, a dedilhação de quase todas as notas de uma peça que tem, aliás, muitas notas: a “Triana”, de Albéniz. Entretanto perdi essa partitura, mas conservo a dedilhação na memória. Passados estes anos, eu próprio acho que, quer na organização da interpretação, quer em questões de sonoridade ou puramente físicas, a dedilhação é fulcral na interpretação pianística. É através da dedilhação que podemos reconhecer os grandes pianistas.

Refere-se também às edições, não?

Sim, obviamente. Por vezes dou comigo a criticar as dedilhações que se encontram nas edições normais, as que trabalhamos habitualmente. Estava a tocar agora uma obra de Liszt, com uma dedilhação dele que foi transmitida através de um dos seus alunos, que é admirável. Quem diz Liszt, diz, por exemplo, Busoni, cujas edições apresentam dedilhações muito inteligentes. Cada pianista tem as suas mãos – Busoni tinha as mãos enormes, e é claro que as suas dedilhações não podem ser as mesmas que as de Alicia de Larrocha, que têm as mãos pequenas – mas mesmo assim, pode se aproveitar a imaginação e, como digo, a inteligência de determinadas dedilhações. Esta questão talvez pareça lateral ou menos interessante para o público melómano, mas, como digo, é fundamental no piano.

Liszt, Schumann, Debussy, Prokofiev, Mozart, Brahms…, estes são alguns dos compositores que tem trabalhado regularmente, mas este ano gravou a seis sonatas de Fernando Lopes-Graça. Como viveu esta experiência?

Uma boa parte do meu repertório, das obras que tenho estudado, nunca tem sido escutada em sala de concerto. É preciso aproveitar as ocasiões e eu tenho tido a sorte de receber propostas interessantes. Entre elas, conta-se a gravação das sonatas do Lopes-Graça, que veio pela mão do Dr. Manuel Dias da Fonseca em nome da Câmara Municipal de Matosinhos. Eu já tinha tocado algumas coisas de Lopes-Graça, mas não conhecia essas obras. São peças muito difíceis, muito complexas e o pedido veio no meio de uma fase de muito trabalho. Preparei vários concertos na Festa da Música deste ano e, ainda, em Maio, gravei o segundo concerto de Brahms com a Orquestra Nacional do Porto. Ainda por cima, eu não estava de todo habituado à linguagem do Lopes-Graça, que é muito pessoal – por vezes rude – e que pede muito do ouvinte. Fiquei, portanto, um pouco assustado…

São aliás muito diferentes entre si…

Acho que a terceira é muito bartokiana. Ele tinha uma especial predilecção por ela. As duas últimas são obras de maturidade, onde se reconhece o estilo do compositor. Por exemplo, a segunda, que data de Paris, é a mais latina das seis. Sente-se, contudo, a importância que o ritmo tem nelas, a sua força e o seu rigor.

Mas o resultado foi muito bom…

Estou bastante contente. Devo dizer que acabei por ficar entusiasmado, mais do que eu nunca teria imaginado. São raros os compositores portugueses que escreveram sonatas, praticamente apenas Bomtempo antes de Lopes-Graça, e as seis peças nunca tinham sido gravadas por uma só pessoa. Além do interesse que todas elas têm por si próprias e mostram a evolução do compositor ao longo do tempo. Ele sabia o que escrevia. Conhecia muito bem o teclado e punha na partitura exactamente o que queria, sem fazer nunca nenhuma cedência. Da parte do intérprete, do ponto de vista instrumental, há passagens terríveis, mas também admiráveis. É comparável a coisas que encontramos nas obras de Prokofiev: de repente, aparecem trechos que fazem levar as mãos à cabeça.

Como é que encara esse lado “inesgotável”, na sua expressão, do repertório pianístico?

Acho que a primeira motivação dos pianistas quando começam é tocar o melhor possível e, se possível, tocar tudo. Mas, depois, há uma segunda fase, que é a da descoberta de obras que nos interessam pessoalmente, que reflectem aquilo que nós somos e que nos dão coisas novas para descobrir. São muito importante as escolhas que vamos fazendo, porque se torna logo evidente que, por muito que trabalhemos, nunca chegaremos ao fim. Mas é também fundamental o contrário: voltar a tocar coisas já estudadas… Isso está a se tornar agora para mim a parte mais apaixonante da minha profissão. Há uma ideia estendida entre as pessoas que gostam de música, mas que não têm estudado nenhum instrumento, que é a de, quando estudas e tocas uma peça, ela fica, que, depois, é só voltar a tocar quando for preciso. Nada há de mais falso, novas dificuldades vão sendo encontradas à medida que o tempo passa. As obras amadurecem na nossa cabeça e isso faz variar a nossa abordagem. Quando voltamos a elas, é preciso voltar a pôr tudo em causa.

Há alguma obra em particular com a qual lhe tenha acontecido isso de forma mais notória?

Acontece-me recorrentemente. No entanto, há uma obra da qual gosto muito, a primeira sonata de Enesco, que tem sido para mim uma experiência particular. Gravei-a há cerca de vinte anos. Com o passar do tempo, voltei a tocá-la e encontrei lá coisas que tinha ignorado da primeira vez. Não é uma obra conhecida do grande público, mas, da minha parte, seria capaz de inclui-la em todos os meus programas, porque é uma música que não me canso de tocar. Pelo contrário, há compositores – por exemplo, Rachmaninov – em cuja obra se entra apaixonadíssimo, mas que acabam por enjoar.

Essas novidades são coisas que, com passar do tempo, o pianista consegue pôr na partitura?

Talvez seja ao contrário. Elas sempre estiveram lá: somos nós que não as vemos…

Tem sentido alguma vez como um problema o facto de, no passado, lhe terem colado a etiqueta do “técnico e virtuoso”, uma espécie de “Liszt Português”?

Bom, quanto ao último, não me importava de o ser… Mas quanto a me porem etiquetas, nem me importo, nem me deixo de importar. Trabalho muito e estou muito concentrado no meu trabalho, e, além disso, o meu repertório vai muito para além das peças apenas virtuosísticas. São coisas que me ultrapassam.

4/28/2008

Bonita por fora e por dentro


Foto: Johannes Ifkovits

O trabalho acumula-se. Por isso não tenho dito nada. Nem sequer do Fidelio de Abbado em Madrid, nem do Tannhäuser de Carsen em Barcelona. Mas sim vou referir Angela Denoke, a quem entrevistei há dias para Audio Clásica. Editei a nossa conversa telefónica durante este fim de semana e ainda estou bem disposta por causa da sua frescura e da sua simpatia. A soprano alemã será em Junho Emilia Marton, protagonista do Caso Makropulos que será apresentado no Teatro Real de Madrid. As críticas parisienses (estreiou-se na obra há um ano, na Ópera Nacional de Paris) foram óptimas, como era de esperar. Recentemente, no início da presente temporada, tive a sorte de a admirar no papel de Chrisotemis. Foi no Palacio Euskalduna, em Bilbau. A voz de Angela Denoke é uma combinação perfeita de dramatismo e beleza. Citando Birgit Nilsson, acha que levar um bom par de sapatos confortáveis em palco assegura a metade do sucesso, mas ela prefere cantar descalça.

4/23/2008

Franck Ollu dixit

Porto se ha convertido en referente de la música en Europa.

Nunes es uno de los más importantes compositores del mundo y su música se interpreta muy a menudo. Es un hombre muy interesante, y aunque sea portugués tiene una proyección universal; ha sido profesor en el Conservatorio de París durante muchos años. Es una personalidad muy carismática y de un fuerte carácter, lo cual se proyecta en su música, que es muy poderosa.

Bien, la verdad es que cuando creas un proyecto del calibre de esta Casa da Música es muy importante involucrar no sólo a la ciudad, sino a todo el país.

aquí

4/20/2008

Duas pelo preço de uma

Por causa da recente estreia na Fundação Calouste Gulbenkian do concerto para percussão de John Corigliano, pensei que talvez tivesse algum interesse lembrar esta entrevista que lhe fiz ao compositor americano no passado mês de Julho. Pelo mesmo preço, os amáveis visitantes deste blog julgarão, se calhar, igualmente interessante esta outra, com o maestro Franck Ollu. Foi realizada por Paco Yáñez na Casa da Música do Porto.

(Paco, me alegro mucho de verte recuperado y de poder leerte de nuevo).

4/18/2008

Tomem nota



E não o esqueçam: Lionel Bringuier. Por várias razões. Uma delas é esta:

« Je ne suis pas là pour faire mon numéro, mais pour faire de la musique. Je ne suis pas tendu par un stress négatif, car je suis heureux de diriger. »

Acaba de passar por Lisboa, onde tem dirigido a Orquestra Gulbenkian interpretando obras de Tchaikovsky, Corigliano e Stravinsky.

Corigliano rocks



Conjurer foi estreado esta semana em Lisboa pela extraordinária percussionista escocessa Evelyn Glennie e pelas cordas da Orquestra Gulbenkian. Magnífico, simplesmente. Que liberdade. Vou fazer a crónica para Mundo Clásico: o post é só para o assinalar.

4/14/2008

Blogueiros de gema

Há dias, através do indispensável Bandeira ao Vento, cheguei a outro blog cuja autora tinha sido convidada para este debate. Ainda não li o livro que o motivou e por isso é bem provável que este comentário seja completamente descabido. No contexto do mencionado debate, obviamente: neste blogue fica bem tudo o que fica.

A noticia do debate e do livro fez-me lembrar que eu gosto de pensar que os bons blogues têm os seus antecedentes na tradição. Karl Kraus, Joseph du Maistre, Charles Baudelaire ou Fialho de Almeida, poderiam ter sido - aliás, foram - excelentes blogueiros. Da mesma forma que, a brincar, também imagino que Richard Wagner, se tivesse nascido cem anos depois, teria sido um excelente realizador de cinema, mas não, de todo, um bom blogueiro, porque era demasiado chato. Claro que reparo em que a minha vaga ideia de "bom blogue" está moldada pelo que aprendi lendo autores como os citados ou outros que os copiaram, ou que eles copiaram.

Ultimamente tenho regressado aos jornais dos primeiros anos do século XX, à procura da actividade crítica de um dandy melómano de origem riojana, Miguel Salvador. O trabalho de hemeroteca é sempre maravilhoso, intoxicante. Leva-nos para um quotidiano longínquo e, contudo, inteligível. Andei a ver o ano de 1911, repleto de referências aos acontecimentos portugueses relatados através de episódios protagonizados, entre outros muitos, por suspeitos anarquistas apanhados em comboios e por militares de baixa patente insolentes... Magnífico. Não era, porém, isto o que pretendia contar, mas quanto apreciei a leitura da coluna "Filosofia Barata", onde se comentava tudo e nada e, fundamentalmente, a silly season, num estilo que seria possível qualificar de "blogueiro" sem ter de pedir desculpa pelo anacronismo.

Até o título foi já usado na blogosfera: filosofiabarata.blogspot.com.

4/08/2008

Gracias a Karajan

Este post era, inicialmente, continuación del anterior. Hablaba yo del exagerado espacio ocupado por Karajan, lo que, naturalmente, me llevaba a considerar los numerosos directores a los que hizo sombra su siempre bien iluminada figura. Se me ocurrió dedicarlo a Erich Kleiber porque no renovó su contrato con la Deutsche Staatsoper en 1935 para evitar someterse a la política nazi. Y porque es el director de mi versión preferida de la Quinta de Beethoven. Y porque se enamoró de su mujer, Ruth Goodrich, cuando, a la pregunta, «¿Aún no te has casado?», ella contestó «¡Oh, no, prefiero vivir a la carta» (esto lo contó con más detalle Ángel Mayo, en un artículo excelente dedicado a los dos Kleiber, Erich y Carlos).

Se le puede ver en youtube, precisamente al frente de la orquesta de la Ópera de Berlín en 1932. Es irónico que la obra en cuestión sea El Danubio Azul. También es sumamente elegante y, bien pensado, bastante trágico.

Bien, el caso es que el post acabó quedándose a medias. Pero gracias a él (y, por lo tanto, gracias a Karajan), me encontré con un interesante blog argentino donde, sin dejar de elogiar al director alemán, se recuerda, entre otros maestros, a Kleiber padre. Quien lo mantiene, además, reproduce varias críticas magistrales publicadas en el Buenos Aires de los años 50 y firmadas por Jorge d'Urbano, a quien yo no conocía. Ésta, de 1959, dedicada al pianista Daniel Barenboim es ejemplar. Se llama La Danse de Puck y creo que vale la pena visitarlo.

Karajan, 100 anos e alguns dias



Incomoda-me o espaço exagerado que Herbert von Karajan ocupou nos media até ao seu falecimento. Portanto, podem deduzir facilmente o que acho acerca da comemoração do seu centenário. Suponho que é evidente que, apesar do que acabo de escrever, me interessa qualquer aproximação da sua figura e do seu percurso artístico que, para além do gosto/não gosto, a avalie no contexto da ascensão e queda do nazismo, primeiro, e da guerra fria, depois. Não sou, porém, eu quem vai fazê-la.

Agora que acabo de ler o artigo de Norman Lebrecht que o João recomendou no seu blog (e de apreciar a foto que o ilustra), reparei em que, embora a filiação de Karajan com o nazismo não chegasse a estar tingida de sangue, permaneceu notória na sua imagem, inclusivamente na sua marmórea imagem sonora. O seu "narcissismo", do qual se fala por vezes com benevolência babada, manifestou-se também em pormenores arrepiantes. Mas é capaz de ser mania minha.

4/03/2008

Actualidad de Ovidio



Puccini ya está despachado. El material que he utilizado para el artículo, tanto el relacionado con él y con sus óperas, como la información-ganga que me ha deparado el camino, sería suficiente para mantener activo este blog durante meses.

Entre las cosas que se incluyen en la segunda categoría, y que, por lo tanto, no tienen absolutamente nada que ver con el compositor de Lucca, está la noticia de que en la temporada 2010/2011 el Met tiene previsto un Pelléas et Mélisande dirigido por Simon Rattle, con Magdalena Kožená como protagonista. Cuando lo vi, me acordé de que la había escuchado unas semanas antes, vestida por su peor enemigo, en un recital cuyo programa incluía, precisamente, mélodies de Claude Debussy. Me dio la impresión de estar sufriendo una extraña tentativa de metamorfosis - también hay pigmaliones especialistas en el repertorio de finales del XIX y principios de XX - y eso me produjo cierta tristeza. Me vino a la memoria su imagen deslumbrante, cantando bajo la batuta de Paul McCreesh el papel de Paris en uno de los saudosos Concertos em Órbita y fue inevitable hacer la comparación.

En el recital, me dio la impresión de que el fin de siècle pone en evidencia sus limitaciones vocales y gestuales. La música de esa época, por ejemplo, pide, en el fraseado, que se interioricen, manteniéndolas sin dejarlas caer, las largas líneas, el arabesco sin fin. O sea, no tiene nada que ver con la declamación tipo "suspiro entrecortado" típica de la música antigua, donde Magdalena Kožená es particularmente apreciada.

No obstante, ojalá me equivoque y, dentro de tres años, después de verla y escucharla en el Met, pueda escribir en este blog que se ha convertido la Mélisande de nuestros sueños.

3/31/2008

Puccini Bomboni



Los aniversarios tienen estas cosas. En 2008 se conmemora que Puccini nació hace 150 años. Así que aquí estoy yo, bloqueada en medio de un texto, incapaz de decidir si el suicidio de una de sus criadas es relevante para la comprensión de sus óperas. Elvira, la mujer del compositor, se convenció de que la criatura había seducido a su marido - que, como se sabe, no era precisamente un casto José - y llegó a hacer públicas sus sospechas. La joven humillada no pudo soportar la presión y acabó envenenándose. La autopsia demostró que era virgen y la celosa esposa fue condenada a pagar una considerable indemnización a la familia. Conclusión evidente: los tabloides ingleses y el fenecido Tomate nacieron con cien años de atraso.

Lo cierto es que los miedos de Elvira tenían algún fundamento. Lo peor, de cualquier manera, no es mi dilema, sino que ahora asocio el nombre de Puccini a los bombones de canela que ilustran con bastante poco decoro este post. Por cierto, la foto la he tomado prestada de este blog delicioso. Volviendo a los bombones, se encuentran en Amsterdam, en una tienda cercana al teatro de ópera. Demasiado lejos para mi gusto.

3/26/2008

Uma boa notícia



Julia Jones vai ser a nova maestra - por que não? - titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa. Acho que todos andávamos já com vontade de ouvir boas notícias vindas da Rua Serpa Pinto.

3/25/2008

Clásicos para esta primavera (III)



Los nerds son tendencia. Lo es también el college style. Cualquiera que lea revistas de la especialidad lo sabe. Si Ian Bostridge es el tenor college style por excelencia, Alexandre Tharaud viene a ser lo mismo, pero en pianista y intello, como se dice en buen francés. Por principio, los que mantenemos o leemos blogs como éste no podemos antipatizar con artistas como ellos. En mi caso y en lo que se refiere a Tharaud, no es sólo que no antipatice con el, sino que lo sigo con curiosidad desde que, hace varios años, me encantó con un CD dedicado a Mauricio Kagel grabado para la etiqueta Aeon.

Esta temporada, Tharaud nos brinda la integral de los Preludios de Frédéric Chopin, acompañada entre otras, como colofón, por algunas piezas chopinescas de Federico Mompou. En la primera audición me dejó fascinada. En la segunda, me irritó. En la tercera, ya con la partitura, me rendí. Tengo que seguir escuchándola. La grabación tiene además cierto toque retro (un Steinway con "pátina", en las palabras del propio Tharaud, y la calidez que caracteriza la captación de Harmonia Mundi lo hacen posible), mezclado con una oscuridad expresiva que, ya puestos, podríamos calificar de gótica.

Perfecto para el iTouch, donde ya deberían estar sus versiones de Rameau y Couperin, editadas igualmente por Harmonia Mundi.

3/24/2008

Brahms, sangue e petróleo


Gostei muito de Punch Drunk in Love, de Paul Thomas Anderson. Sem dúvida, um dos motivos foi a banda sonora, assinada por Jon Brion. Este fim de semana, fui ver o último filme do realizador, There will be Blood, uma história feita de ambição, solidão, egoísmo e obsessão para além do bem e do mal. Perguntava-me, entre outras coisas, o que é estaria a fazer em semelhante filme o Concerto para Violino, de Johannes Brahms.

O tema principal do Allegro giocoso, na interpretação empolada de Anne-Sophie Mutter e de Herbert von Karajan, contracena com Daniel Day-Lewis no momento culminante em que Daniel Plainville, o protagonista, esmaga, literal e sangrentamente, o seu derradeiro concorrente.

É uma pequena lição de marxismo.

3/21/2008

Clásicos para esta primavera (II)



Se llevan, definitivamente, la claridad y las transparencias. Y también la ligereza. Y los colores exuberantes, casi ravelianos. Además, Philippe Herreweghe, que prosigue la integral de las sinfonías de Beethoven, añade a su interpretación una sabia dosis de retórica y de apurado sentido del drama y de la declamación. A lo mejor es extraño elogiar con semejante descripción una grabación que incluye la célebre quinta, aquélla que le hizo exclamar a E.T.A. Hoffmann que la música de Beethoven era absolutamente romántica. Le acompaña la octava, que es desde siempre mi preferida, una especie de reafirmación luminosa de la meta alcanzada en la sinfonía en do menor. Per aspera ad astra.

Le joli temps du lilas

3/19/2008

Clásicos para esta primavera (I)



Salió la primavera pasada, pero todavía no ha pasado de moda. Thomas Zehetmair, que es desde hace años uno de mis músicos preferidos, dirige la Northern Sinfonia con frescura plena de juventud y lirismo. Imprime a sus interpretaciones del concierto de Brahms y de la cuarta de Schumann un estilo muy camerístico. No extraña, teniendo en cuenta su experiencia pasada. De hecho, algunas de sus grabaciones anteriores para la etiqueta ECM, particularmente la de los cuartetos de Schumann, y también la de los cuartetos de Bartók y Hindemith, pueden ser consideradas referencias indiscutibles.

Para este registro de la cuarta de Schumann, una obra por la que es imposible no obsesionarse, Zehetmair ha elegido la primera versión, de 1841. Clara prefería la versión revista, decía que la anterior era un mero trabajo preliminar, pero Brahms siempre consideró que la primera era mejor, hasta el punto de que la editó en 1891. Por lo visto, a Schumann le dio un ataque de inseguridad después de que el público prestase bastante más atención a Liszt que a su seria sinfonía el día del estreno, realizado en diciembre de 1841. El caso es que esta primera versión, tal como subraya la lectura de Zehetmair y la Northern Sinfonia, es de una transparencia, un colorido y una ligereza absolutamente maravillosos. Perfecta para esta estación.

3/09/2008

Uma Terceira de Mahler inesquecível

Hoje, Michael Zilm dirigiu magistralmente a terceira de Mahler em Lisboa. À Orquestra Metropolitana de Lisboa e ao Coro Sinfónico Lisboa Cantat juntaram-se a Orquestra Académica Metropolitana e o Coro Infantil do Instituto Gregoriano de Lisboa. Os músicos envolvidos, a AMEC e a sua direcção e, sobretudo, Michael Zilm estão de parabéns: foi um acontecimento artístico de qualidade incontestável, inesquecível. O público que encheu o Grande Auditório do CCB teve a oportunidade de avaliar, de primeira mão, resultados concretos do ensino especializado de música em Portugal.

Depois de que ontem milhares de professores se manifestassem no centro da capital contra a su política educativa, lamentei que a Ministra da Educação não estivesse no CCB. Ficou ignorante do grau de excelência que pode chegar a atingir o sistema que pretende reformar. Se calhar não gosta de Mahler.

No es verano,



pero como si lo fuera.

3/08/2008

Herencias



Hace una semana tuve la fortuna y el placer de entrevistar a Arturo Tamayo, uno de los mejores directores de orquesta del mundo. La entrevista será publicada el próximo mes de abril, en Audio Clásica , y creo que es una de las mejores que he hecho en mi vida. El mérito es todo suyo, obviamente. Hablamos sobre sus primeros conciertos en Madrid, durante la fase final del franquismo, sobre Iannis Xenakis, con quien mantuvo una relación privilegiada, y sobre el arte de dirigir una orquesta. Casi al final de nuestra conversación, mostró su desacuerdo con quienes critican su hábito de dirigir obras de compositores de renombre internacional en sus presentaciones en suelo patrio. Tamayo llegó a afirmar que las orquestas españolas no tienen por qué tener el deber de interpretar repertorio español, sino al contrario, tocar preferentemente el repertorio internacional. A mí se me ocurrió que ese proteccionismo no dejaba de ser una herencia del aislacionismo franquista. Ojalá fuese la única.

3/07/2008

Formas blandas de censura

La calificación de un libro o de un espectáculo con notas o estrellitas es siempre un despropósito. Es como si el crítico fuese el maestro del artista o del escritor que está criticando y le dijera: si lo haces bien, bonito, te apruebo, si lo haces mal, te doy un cachete o, dicho de otra forma, te vas a casa con una bolita negra. Bolas y estrellas saltan por encima de los argumentos, casi hieren los ojos y el cerebro. Siempre me lo ha parecido y me cuesta tener que usarlas cuando hago crítica discográfica, pero hoy, al verlas en el cuaderno Ípsilon del PÚBLICO portugués acompañando una recensión a un libro de Gilles Deleuze y Félix Guattari, han logrado provocarme un escalofrío.

Cuando ya había decidido que el post iba a tener esa pequeña frustración personal como tema, me he encontrado con una noticia publicada en EL PAÍS que también me ha sobresaltado. Se presenta este fin de semana en Bilbao El Diluvio de Noé, de Benjamin Britten. El director de escena Fernando Bernués afirma que la partitura del compositor británico es deleitosa y placentera. Juzga, sin embargo, que el autor "no tuvo excesivo cuidado en la elección de los textos". Como el Dios retratado en la ópera es "vengativo, cruel y castigador", y, añado yo, esto podría provocar algún cortocircuito en las tiernas neuronas de nuestros niñitos, Bernués ha decidido mitigar la virulencia y el tremendismo con color y fiesta. No deja de ser irónico que el espectáculo forme parte de la programación del Festival de Música Sacra de Bilbao. Y que, por supuesto, no se vaya a representar para la congregación de una iglesia, que era lo que Britten pretendía, sino para la audiencia de un teatro.

Al final, bien pensado, bolas y estrellitas, colores y fiesta son prácticamente lo mismo, formas blandas de censura.

3/06/2008

Imparcialidad conmovedora



Hoy, gracias a El País, he sabido que Hillary se vistió de color rojo sangre para festejar sus últimas victorias y que en Tejas hay un museo donde se exhibe una silla eléctrica y restaurantes que exigen a los clientes se quiten el sombrero antes de entrar. El artículo, con imparcialidad conmovedora, concluye: "Esto es Tejas, y aquí ganó Clinton".

Hillary. Sería un buen título para una ópera.

2/14/2008

Ensino da Música

Mais uma manifestação pela defesa do Ensino Especializado da Música terá lugar no próximo dia 15 de Fevereiro pelas 15h junto à Assembleia da República.

Para saber mais sobre o assunto, vale a pena ler os posts publicados nos blogs Salvemos o(s) Conservatório(s) (aqui e aqui) e no Ideias Soltas (aqui).

Para o Zé Pedro Borges


Seguro que se harán amigos en el cielo.

1/30/2008

Beleza, pertinência, ética

A única pequena indignação que me provocou Das Märchen não tem a ver directamente com a obra. Derivou-se do facto do seu orçamento - no mínimo, um milhão de euros – ser equivalente ao de dez edições da Festa da Música! A comparação é injusta, eu sei, mas fi-la e irritou-me. Entretanto, lá estaremos, a partir de amanhã, em Nantes, escutando Schubert... Obrigada, Antena 2.

De resto, a certidão de óbito do modernismo - desculpem que não entre em discussões historiográficas ou conceituais: fica para outro dia - foi expedida há décadas. Por isso, pelo menos em termos teóricos, não percebo o espanto provocado por esta obra de Emmanuel Nunes.

As obras que, desde então, foram estreadas reclamando esta herança cumpriram o seu papel institucional de luminárias de Ocidente e de emblemas do seu desenvolvimento. Para a nossa sociedade opulenta, este ascético luxo não supunha um gasto incomportável, e sempre dava alguns trocos em benefícios simbólicos. As ditas obras negaram o corpo, preservaram a miragem da superioridade da razão alheia a qualquer critério de utilidade e, como era de esperar, nunca interessaram a mais do que a uma minoria hiper-instruída. Isto faz parte do seu código genético.

Ou seja, o facto de ontem terem permanecido umas 150 pessoas no São Carlos até ao fim da ópera (um par delas para a apuparem, dito seja em honra do peculiar sentido do humor que demonstraram ter), ou os números divulgados a propósito da parca audiência que assistiu às retransmissões realizadas para diversas salas do país (das 11.000 esperadas, apenas umas centenas) são perfeitamente dispensáveis, sobretudo para quem aceita as regras de um jogo onde a realidade, como se sabe, é um detalhe sem importância. Paradoxalmente, e na mesma lógica, é oca (e transparece uma certa ingenuidade na concepção dos processos através dos quais se escreve, difunde e conforma a história) a hegeliana invocação da posteridade como a juíza imparcial que irá pôr no seu merecido lugar essas obras – Das Märchen em particular – que agora não apreciamos porque não percebemos. Há quem acredite no céu, ou, por outras palavras, no seu ingresso no panteão dos escolhidos, ao lado de Bach e de Beethoven.

Lá está: beleza, senhores, o que queremos é beleza. A que aprendemos a apreciar na música de Bach e de Beethoven, ou outra a rebours, bizarra e suicidária, enquadrada, até, numa linhagem artística já exausta, moribunda e anacrónica. A obra de Nunes pertence a este mundo e eu tenho admirado e desfrutado de uma boa parte dela. Afinal, da nossa época também faz parte a subcultura própria dos consumidores de música contemporânea modernista…

É certo que, no projecto inicial de Das Märchen, de meados da década de 90, Nunes explicou, com decisão, a sua própria concepção dramatúrgica da obra e que qualquer relação das suas ideias com o que vimos/escutámos no São Carlos, ou seja, com esta montagem específica é mero acaso. No entanto, a causa do falhanço deste espectáculo não pode ser apenas atribuída às discrepâncias ou aos desequilíbrios entre o que se viu e o que se escutou. Posso referir, como contra-exemplo, Caminho ao Céu, de Carlos Marecos, produzida em 2003 pela Culturgest: a beleza da partitura sobreviveu, na que foi a minha primeira e, por enquanto, única audição da obra, a uma montagem com a qual eu não senti a mais mínima empatia.

Já agora, também queremos pertinência. Aconteceu-me, logo no início da escuta de Das Märchen, ver-me transportada ao Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. Coincido com Carlos, do Ideias Soltas: a música de Nunes, nesse espaço, é pertinente, integra-se num projecto coerente – talvez ultrapassado quando julgado a partir de determinadas premissas, mas coerente. No São Carlos, Nunes e a sua música ficam descontextualizados e, portanto, desprovidos de qualquer poder, quer reflexivo, quer encantatório. E não lhe conferirão, por certo, sentido os utópicos clichés de matriz hegeliana transformados em princípios orientadores da política cultural, evangelicamente amplificados em frases como a seguinte: [produzir esta ópera é] "como plantar uma semente, cujo resultado não se vê logo a seguir", pronunciada por um dos responsáveis pela Casa da Música.

Tão pouco há nisto nenhuma originalidade. Augusto M. Seabra tinha-o escrito no Letra de Forma: “Não vejo “promessa” ou “aurora” alguma na obra [Das Märchen], tão só os fogos-fátuos de uma ópera enquanto manifestação do poder.” Afinal, falamos de política e também de ética: onde se inscreve, nos tempos que correm, o programa de "preservação da autonomia do simbólico" defendido por Nunes e do qual esta obra acabou por ser, talvez involuntariamente, um sarcástico manifesto?