3/31/2005

Big Mouth

Já estava de saída da blogosfera quando fui dar, em jeito de despedida, uma espreitadela ao Blogue de Esquerda e encontrei este post onde se refere a organização de uma conferência pela Universidade Metropolitana de Manchester dedicada ao grupo The Smiths.

Estou cansada e por isso não percebi se é brincadeira a sério ou se é brincadeira a brincar... Não falo da conferência (acho normal estudar The Smiths, uma das melhores e mais carismáticas bandas de sempre), mas da construcção retórica do post.

De resto, o congresso tem sido bastante noticiado: os musicólogos culturais demonstram que também sabem usar os media.

Intelectuais (2)

Para complicar mais as coisas, ando também a ler Nietzsche. Graças a uma conferência que fiz na Livraria Eterno Retorno (sobre a recepção da Tetralogia e do Parsifal em Lisboa), fiquei a saber da importância que o filósofo teve em Portugal, sobretudo a partir de 1909. Foi Nuno Nabais (professor e filósofo, especialista em Nietzsche) quem amavelmente me chamou a atenção para isso.

Custa acreditar até que ponto a «doutrina» da quarta intempestiva (dedicada, como se sabe, a Wagner e inspirada pelos seus escritos) moldou os artistas posteriores preocupados pela questão da «arte social». Está lá tudo: a luta contra a arte como «luxo», o significado da «necessidade» da arte, o público como «voyeur», a «plasticidade» da nova música, o papel do «povo» e da «língua», a procura e invenção do novo «estilo»...

Na segunda intempestiva, Nietzsche alerta-nos contra o poder letárgico da história... a nós, que, no século XXI, ainda não conseguimos libertarmos dele.

Intelectuais (1)

Hoje, apesar da primavera, passei o dia na Biblioteca Nacional. Estou na fase final da edição da correspondência do Fernando Lopes-Graça com os escritores ligados à revista presença (Casais Monteiro, José Régio, Gaspar Simões, entre outros), pelo que ando muito entretida a ler escritos literários e imprensa, sobretudo dos anos 30. O lado menos interessante deste trabalho é que tenho andado a documentar algumas mesquinhices. O melhor, é que me fez descobrir Adolfo Casais Monteiro: grande homem, grande intelectual e grande escritor.

Depois, ao fim da tarde, fui ouvir a conferência do António Pinho Vargas na Culturgest. Aprende-se muito escutando música escolhida por outra pessoa e complementada com comentários pertinentes. É admirável a maneira como a «mão» de cada compositor se torna claramente distinta quando comparada com a dos outros, especialmente quando o «choque estilístico» é inesperado porque não se tinha escutado previamente as obras em causa no mesmo alinhamento.

O que ficou para mim foi a ideia de que a série tem funcionado nos discursos sobre música do século XX como uma espécie de fetiche, no sentido em que Theodor Adorno usou o termo para criticar a função da música na indústria cultural. Ele dizia, por exemplo, que a melodia era nas canções comerciais um pretexto para não ter de pensar a música como um todo. Por vezes, a série (e quem diz série, diz receita...), tal como é apresentada em muitos textos pedagógicos de história da música e de análise (e também nalgumas obras...), também parece um pretexto para não ter de pensar a música como um todo.

(Ouvimos, entre outras, obras de Schönberg, Webern e, ainda, excertos de duas das peças “seriais” de Stravinsky).

3/30/2005

Genesis em Cascais

Tenho andado a passear por outros lados ou, então, tenho ficado muito sossegada na minha casa a estudar e a escrever. Por isso, só hoje – maravilhosa Lisboa no primeiro dia de primavera-primavera – é que dei pelo número de Março da revista CAIS. Coordenada pela Associação Extra]muros[, a revista celebra nesta edição os 30 anos do concerto do grupo Genesis em Cascais. Foi concebida como uma espécie de mini-exposição documental e contextualiza o acontecimento com informação relativa às circunstâncias sociais do Portugal da época. Arrisca por vezes cair na nostalgia, mas não chega a fazê-lo.

Sobretudo, vale a pena comprar um exemplar para poder ler, enquanto se anda de metro, coisas como esta: “os Génesis mostraram aderir alienadamente à especulação bárbara dos produtores discográficos, a loucura capitalista da reprodução mercantil!”. Ou como esta “Um aspecto suplementar deste concerto. Mostrou como 20 mil jovens da classe média e/ou trabalhadora preferem música a mixórdias sonoras que as opressões políticas pretendem inculcar.» (crítica de Jorge Lima Barreto publicada na revista Mundo da Canção).

O século XX, segundo Pinho Vargas

Começa hoje, dia 30, na Culturgest, um ciclo de conferências dedicado ao século XX. Interessante pela temática e especialmente apelativo pelo conferenciante: o compositor António Pinho Vargas. O programa está aqui.

3/29/2005

Descentralizar ou não descentralizar

Algumas pessoas reagiram por causa da minha referência ao René Martin num post anterior onde falava sobre a Festa da Música. O que ele disse na conferência de imprensa a propósito de Viseu era que achava muito bem fazer ali música, mas que, necessariamente, deveria ser pensada para aquela cidade "une autre chose", um projecto específico, diferente da Festa da Música.

Quem não gosta da palavra "descentralizar" sou eu (será questão, mesmo assim, de perguntar ao René Martin o que acha sobre assunto), entre outras coisas porque é fácil de confundir com uma forma hipócrita de caridade. Aliás, por muito que a gente descentralize, sempre haverá centros mais centrais do que outros...

Há tempo que em política cultural é usada a palavra rede. O que há para ler sobre as denominadas redes sociais é muito (e eu, que sou apenas amadora na matéria, tenho lido bem pouco). Para ficarmos no que há... na rede, podem ver isto (curto e em português), isto (bem escrito e em castelhano), isto (em inglês) ou isto (pdf, em inglês).

3/28/2005

Ole, ole y ole

Ya sabía que Artur Pizarro es el pianista con más salero del mundo, así que, en en cuanto me enteré gracias a la Gramophone del mes de abril que acaba de lanzar el primer volumen de la integral de la obra para piano de Joaquín Rodrigo, me fui directa a naxos.com para escucharlo.

Lo que se oye en la página de la editorial no tiene, obviamente, la calidad del CD, pero permite confirmar otra cosa que ya sabía: que Pizarro es un pianista maravilloso.

Este CD es un "editor's choice" más que se suma a la colección que Pizarro tiene en casa (véase la entrevista al pianista transcrita no Crítica de Música). A mí me da un poco igual, porque sólo un sordo no se daría cuenta de que esta grabación es una fiesta pianística, desde el primer corte hasta el último... y tiene veintitrés...

Lulu

Que yo sepa, la única versión de Lulu grabada por Christine Schäfer en DVD tiene algunos años. Se trata de una producción del Festival de Glyndebourne con puesta en escena de Graham Vick y dirección musical de Andrew Davis.

La traigo a colación porque - además de ser excelente - esta Lulu rivaliza ahora con otra Lulu, la creada por Louise Brooks y Georg Wilhelm Pabst en Die Büchse der Pandora (La caja de pandora), dirigida en 1929, que ha sido recientemente lanzada en DVD por la editorial Divisa.

El blanco y negro de Pabst y la música de Berg... una buena combinación.

3/26/2005

Christine Schäfer Posted by Hello
Louise Brooks Posted by Hello

Ciência para musicólogos

No Expresso, na Única, encontramos esta semana - ao lado da referência a um recente artigo publicado na Science da autoria do paleontólogo John Cisne, no qual aplica modelos demográficos ao estudo da transmissão de manuscritos - uma curta reportagem sobre o programa informático Hit Song Science, o qual permite determinar matematicamente se qualquer peça musical (de Mozart a Norah Jones!) apresenta, em todos os seus parâmetros, os padrones adequados para se tornar num êxito.

Este artigo também fala no assunto, colocando a sua particular pertinência no contexto da actual "crise" que atravessa o mercado discográfico.

Ha fallecido Stanley Sadie

Ahora mismo, al entrar en el Grove Online, me he encontrado con la noticia del fallecimiento de Stanley Sadie, ocurrido el pasado día 21. Fue, durante una buen parte de su vida, uno de los musicólogos más influyentes (si no el más influyente) del mundo. Las razones se encuentran en esta necrológica que he retirado de la página del Grove:

Stanley Sadie
30 October 1930 – 21 March 2005
It is with deepest sadness that Grove Music Online marks the passing of editor emeritus Stanley Sadie. When Stanley undertook the task of editing the sixth edition of Grove's Dictionary of Music and Musicians, in 1970, he was already well known for his music criticism and his editorship of the Musical Times. Over the next ten years he brought to Grove unparalleled creative vision, charismatic leadership and inexhaustible energy. The resulting New Grove Dictionary of Music and Musicians, published in 1980, was a resource of such depth and breadth that it changed the very nature of music scholarship. In the ensuing 20 years he edited or co-edited a large family of Grove encyclopedias and handbooks, culminating in the 29-volume second edition of The New Grove, published both in print and online in 2001. Stanley remained an active and influential figure in music up to his death. His legacy, in Grove and his other publications, is immeasurable; he will be missed wherever love of music combines with intellectual curiosity.
Laura Macy22 March 2005

3/23/2005

O concerto do dia 8 de Março

É só para encerrar telegraficamente o tema do penúltimo post.

Estava em Lisboa e assisti à justa homenagem a Christopher Bochmann organizada pela Orchestrutopica. Uma primeira parte maravilhosa (Stravinsky, Webern e Boulez). Excelente, o violinista José Pereira (jovem estudante da Metropolitana, aluno de Aníbal Lima). Vontade de escutar mais Webern ao vivo. Cesário Costa no seu melhor.

Segunda parte portuguesa. Uma brincadeira de Sérgio Azevedo e uma boa obra de Christopher Bochmann em memória das víctimas do 11/S, com momentos verdadeiramente impressionantes (e não falo apenas do uníssono em fortíssimo inicial). Impaciência durante a escuta da peça de Pedro Amaral. Até agora, não consegui encontrar nenhuma afinidade - pela via do conceito, do domínio do material, da estética... - com o resultado sonoro das suas pesquisas.

Pedir peras al olmo

Parece que a Festa da Música tem sido o único acontecimento que tem agitado as tranquilas águas musicais em Portugal nestes dias, durante os quais – entre remorsos e saudades: bela combinação… – não consegui ter calma para actualizar o meu blog. Pelo menos, Augusto M. Seabra no PÚBLICO, Álvaro Teixeira no Crítica de Música, Pedro Arauxo no As disfunções da cultura e Luís Pena no Decompor escreveram sobre o citado mega-festival adoptando diferentes perspectivas.

É desagradável ver utilizada a Festa da Música como arma para criticar a gestão global do CCB, sobretudo quando se mistura com uma espécie de beateria um bocadinho snob e anti-capitalista que faz lembrar aqueles debates bizantinos sobre a arte e a sociedade que preocuparam muito aos compositores da geração do Lopes-Graça e que andaram a chatear toda a gente até à década de 80. Nesse sentido, a Festa da Música é um produto da sua época que, ainda por cima, vinda de Nantes (cidade onde estudei, da qual tenho óptimas recordações) e transplantada com sucesso para Lisboa (cidade onde tenho morado durante mais tempo na minha vida), Bilbau (também uma cidade, por assim dizer, do meu entorno, porque fica a uma hora de distância de La Rioja) e Tóquio (esta, que chatice, fica longe e não conheço…) se torna mais interessante e significativo.

Concordo com o Luís Pena: é uma experiência única poder escutar ao vivo e de forma intensiva, em muito pouco tempo, séries de obras ou obras que talvez não tínhamos relacionado entre si e que, ouvidas as umas junto das outras, começam a se iluminar reciprocamente. Essa audição comparativa pode resultar numa riqueza surpreendente. Que não é para todos os dias? Talvez, mas não é isso o que se discute. E que querem que lhes diga? Também gosto de escutar boa música em salas cheias: só espero que ninguém confunda esse prazer com demissão crítica. De facto, acho que neste post critico algumas coisinhas…

René Martin, na conferência de imprensa realizada durante a Festa de 2004, deixou bem claro o seu desconforto perante a ideia de descentralizar – começo a detestar esta palavrinha – a Festa da Música e de levá-la para Viseu ou para qualquer outra cidade portuguesa. Curiosamente esse desconforto não foi nem noticiado, nem discutido por ninguém: antes pelo contrário a tal descentralização foi recebida em Portugal com um geral e naïf contentamento.

A Festa da Música é a Festa da Música e, tal como foi concebida, só faz sentido nos moldes da programação maciça endereçada para uma multidão. E conste que isto não é incompatível com a minha admiração pela determinação e pela inteligência que demonstraram os responsáveis pelo Teatro Viriato ao tentarem fazer parte da mesma… Porém, a Festa não pode, não deveria ser usada – agora sou eu a falar – para tentar resolver eventuais carências estruturais em matéria cultural. Dá que pensar, por exemplo, que fora de Bilbau, em Espanha, quase ninguém se tenha apercebido do impacto de “Musika-Música”.

Ainda mais uma coisa que me incomoda: a questão da internacionalização dos intérpretes portugueses através da rede criada pelas Festas da Música. Parto da ideia de que se pode desejar que, em cada versão da Festa, seja dado o devido destaque aos intérpretes locais e, francamente, apesar das ausências, acho que isso está a ser feito, pelo menos, tanto em Lisboa, como em Bilbau.

Aceito que o CCB – ou, seria ainda melhor, uma produtora análoga à criada por Martin – deveria ter uma actuação mais sólida, respeitosa para com os músicos locais e agressiva nesta matéria. Eu própria – interesseira… – gostava de pode ler discursos musicológicos escritos e concebidos em português, em espanhol e em japonês (e também em inglês, neerlandês, russo, húngaro, polaco, finlandês...) relativos aos temas da Festa da Música, e não apenas em francês como tem sido o habitual até agora (e com a excepção da Festa dedicada à música russa).

Mas, de novo, ao colocar o assunto nestes termos, parece que se pretende transformar a Festa da Música numa solução para resolver problemas de carácter estrutural. Onde param as produtoras? Quais são os intérpretes portugueses que estariam dispostos a desenvolver uma carreira nas condições que, aparentemente, aceitam os músicos que fazem parte da troupe de René Martin? E, ao contrário, quantos são os espanhóis que vão tocar em Nantes, em Lisboa ou em Tóquio? Quantos os japoneses que irão tocar em Nantes, Bilbau e Lisboa? Vão ser precisas quotas também para isto? E qual é a razão pela que René Martin e os restantes produtores locais deveriam aceitar semelhantes trocas? Para demonstrar que são porreiros?

3/08/2005

Bochmann y Rueda, en cartel

Hoy, más o menos a la misma hora en la que el compositor Christopher Bochmann (um dos mais influentes pedagogos em Portugal) estará siendo homenajeado en Lisboa por la Orchestrutopica, en Madrid, la Orquesta de la Comunidad de Madrid presenta un concierto monográfico dedicado a la obra de Jesús Rueda (Premio Nacional de Música, 2004), promovido por el Centro de Difusión de la Música Contemporánea.

Mainstream

Hoy me he quedado sorprendida al ver este álbum de fotos en un site dedicado a los U2.

Os aseguro que si hacéis la búsqueda de una imagen con los términos ligeti+bush, ligeti+pope o ligeti+clinton en el Google no aparece nada.

Después, me he acordado de una columna publicada en internet hace unas semanas – no consigo recordar la referencia – en la que se hablaba de la paradoja de la estrella de rock que pide, por razones humanitarias, que no se tenga en cuenta la propiedad intelectual en las medicinas contra el SIDA, pero que defiende, con éxito, la prolongación de los derechos de autor sobre su propia música.

Ahora mismo, me acabo de quedar, ya no sorprendida, sino alucinada cuando me he encontrado con esta concordancia de las referencias bíblicas contenidas en las canciones del grupo que, como todos sabemos (imposible no saberlo), ha vendido, en cuestión de horas, todas las entradas para sus próximas actuaciones en España y Portugal.

3/05/2005

Os problemas da OML

No seu As disfunções da cultura (o link, na coluna da direita), o Pedro escreveu há dias um post a propósito da última conferência de imprensa da OML. O concerto de ontem à noite, no São Luiz, poderia ter sido uma resposta às suas dúvidas relativas à ausência da *arte* nas notícias publicadas. Um maestro sério e seguro (Scott Sandmeir), dois cantores muito dignos (Andrea Bönig e, sobretudo, o tenor Manfred Equiluz) e um conjunto de músicos muito competentes (o mais fraco, o concertino, mas alguns muito bons, como, por exemplo, a oboé) interpretando com rigor A Canção da Terra, de Mahler na instrumentação de Schönberg, perante... 35 pessoas.

Pelo que se viu e ouviu, de facto, o problema da OML, ou pelo menos o seu problema mais urgente, não parece ser artístico (e se fôr, com as audições em curso, vai ser decerto resolvido), mas logístico e estratégico: faltam-lhe condições para conseguir criar e fidelizar o público, tem de saber desenvolver uma imagem mais informal e próxima da sua audiência (atenção, não falo de fazer os concertos na feira popular), precisa de criar novas estratégias de comunicação para dar uma dimensão verdadeiramente pedagógica aos seus concertos...

Vão ver os programas "sociais" que orquestras como a da Cidade de Granada (http://www.orquestaciudadgranada.es/todo.htm) ou a London Symphony (http://www.lso.co.uk/lsodiscovery/) desenvolvem. Talvez seja essa a grande carência (quase tenho a certeza de que, em Portugal, nenhuma orquestra oferece à comunidade programas deste género) que a OML poderia preencher, pelo menos na área metropolitana de Lisboa.

Já agora, aproveito para lembrar que a OML apresenta-se hoje no Seixal com o mesmo programa e que, para a semana, sexta e sábado, vão tocar em Lisboa (São Luiz) e Caxias o concerto para piano e trompete, de Chostakovich, com o fabuloso pianista Vladimir Viardo como solista.

Sarcástica e um bocadinho zangada

Eu continuo a adiar o prometido, mas, já agora (é mais rápido), vou referir a coluna de Helena Matos no PÚBLICO de hoje. Sarcástica e um bocadinho zangada, como sempre, mas colocando o dedo na ferida. Se substituirem "cultura" por "high-art music", a analogia com o texto do insuspeito Leon Botstein é evidente.

Isto está meio encravado, pelo que aqui têm o link:

http://jornal.publico.pt/noticias.asp?a=2005&m=03&d=05&id=9859&sid=1050

3/04/2005

Parêntese segundo: Bolonha e a Rede

Tinha – e tenho – a intenção de comentar o texto do Leon Botstein transcrito nos posts anteriores, mas agora ando com a cabeça nos exames dos meus alunos. Avaliar sempre cansa.

Encontrei algumas novidades e comentários relativos a dois temas que me interessam do ponto de vista profissional: o processo de Bolonha e a introdução das NNTT.

Quanto ao primeiro assunto, no Blasfémias, foi ontem publicado um post relacionado com o tema e encontra-se, ainda, nos comentários enviados pelos leitores, a referência a esta lúcida visão do problemas do ensino superior em Portugal.

Em Espanha, embora criticado nos corredores e nos almoços de professores doutores, o processo de Bolonha está a ser encarado pelas universidades como uma espécie de oportunidade de ouro para dar o definitivo e longamente acarinhado “salto a Europa". No entanto, apenas o 31% dos alunos sabem alguma coisa sobre o assunto. A nova Lei Orgânica de Universidades, de 2001, apesar das suas deficiências, provocou uma revolução que tem preparado o caminho a Bolonha, sobretudo devido à implantação de processos de avaliação e acreditação nacionais através da ANECA, instituída em 2002, inclusive necessários para a contratação de novo professorado.

Quanto ao segundo assunto, boas e más notícias. O Presidente da República decidiu liderar a reflexão sobre as consequências do choque tecnológico em Portugal (embora organizando um seminário para apenas cerca de duas centenas de pessoas sobre o qual ainda não há notícias pormenorizadas no site da Presidência).

A má notícia é o baixíssimo nível de introdução das NNTT nos lares espanhóis, apesar do optimismo conclusivo dos autores do informe, para os quais é óptimo que um 33% dos lares tenha o “desejo” de usar mais os ordenadores e Internet no futuro. O facto é que - apesar dos "rimbombantes" e regulares planos nacionais de actualização tecnológica - em apenas cerca do 21% dos lares as TIC estão plenamente integradas (particularmente no que diz respeito ao uso de Internet). Mal camino.

Volto aos testes.

3/03/2005

Segunda moral: Leon Botstein dixit (e 2)

«At the end of the century, the principal exception to the trend (and a major source of musical tourism to Europe) was Asia, notably South Korea, Japan and China, where interest in Western classical music has blossomed since 1945. Indeed the Asian and Asian-American population has become the leading source of high-quality music students in American schools and conservatories and of a new generation of orchestral musicians worldwide. The ubiquitous term globalization does, despite its abuse, reflect an undeniable historical trend. The political and economic integration of post-war Europe and the adoption of a common currency have created the prospect of increased fluidity of labour, open borders and greater immigration from Asia, Africa, the Middle East, and Eastern Europe. The late-nineteenth-century cultural politics of nationalism are weakening, and an international style of popular musical culture has taken hold: in Europe and North America there is a growing interest in non-Western musical practices. As the pressures of a global economy on local circumstances continue to increase, domestic national subsidies for high-art traditions are under fire as serving too limited population at too great cost (the controversies of the 1990s in London and Berlin about how many orchestras and opera companies should be maintained are cases in point). As the demographics and habits of the younger European audience have begun to parallel those in North America, the interest of new generations in pre-1945 cultural habits is declining; the global spread of American-style commercial entertainment does not encourage a sustained, affectionate eclecticism inclusive of amateurism in the classical tradition and concert attendance.

Pessimistic diagnoses regarding the health of the inherited culture of high-art music in the twentieth century became widespread after 1975 and coincided with the rise of a current of neconservatism and cultural nostalgia. A scathing critique of education and contemporary culture was launched throughout Europe and America. The decline of interest in classical music was viewed as a sign of debased cultural standards; even early- twentieth-century modernism once shunned by previous cultural conservatives was held up as superior and normative in terms of aesthetic quality and ethical and cultural value. But the late-twentieth-century neoconservative account of a decline in cultural standards in musical life represents a dubious nostalgia: the sense that a golden age in music has passed, and with it truly great singers, conductors, and instrumentalists (not to speak of composers), has helped undermine even the museum function of concert life. It is, however, equally logical to view the failure of the high-art tradition to satisfy economic and political expectations defined by mass consumerism as a vindication of today’s standards. The real question is whether the expectations of a mass audience were ever plausible in the first place – that is, whether the idealistic assumptions of American social reformers of the 1920s or communist policy-makers, that high-art music could be rendered central, through education, to the lives of members of the working and lower-middle classes, were ever reasonable.

They may simply have been misguided aspirations. The traditions of high-art music have always required skills and capacities that are not easily generalized. Perhaps an analogy with mathematics can be made: what if the high-art concert music tradition requires, both for listening and active participation, training and understanding comparable to the study of higher mathematics? Most literate and highly schooled individuals (include the prominent neoconservative pundits) are perfectly well served by rudimentary algebra and arithmetic; they have no need to understand calculus, much less anything more arcane like number theory. In the same way, the public gave Hadyn his success in 1790s London may not be capable of transformation into a mass audience. And if that is the case, then the impression of a comparative decline in the fortunes of the high-art tradition may be false. Likewise the economic fundamentals of the music world in which Mozart and Beethoven worked bear little resemblance to the standards by which the classical music industry is now being judged. The twentieth-century may be forced to abandon the illusions of mass democratization in taste, economic rationalization, and market self-sufficiency generated by the brief commercial success permitted concert and operatic life in the late nineteenth and early twentieth centuries. Nevertheless, the reality remains that in terms of cultural and political values, the will to sustain the level of private philanthropy and public subsidy necessary for a high-art musical culture that depends on patronage has weakened. The perception of economic weakness and lack of sufficient public interest underlines the marginalization of high-art musical culture over the course of the twentieth-century.»

Leon Botstein, «Music of the century: museum culture and the politics of subsidy», em Nicholas Cook e Anthony Pople (eds.), The Cambridge History of Twentieth-Century Music, Cambridge University Press, 2004, pp. 63-66.

Parêntese: Filipe Pires, Prémio Almada para a Música

O compositor Filipe Pires (n. 1934) tem sido distinguido, este ano, com o Prémio Almada para a Música. Aqui ficam os meus parabéns e uma breve resenha biográfica onde se podem encontrar alguns dos motivos nos quais se fundamenta este merecido prémio. O texto que se segue é a entrada que irá ser publicada na édição revisada do dicionário alemão Die Musik in Geschichte und Gegenwart.

- o -

Compositor e pianista. Estudou no Conservatório Nacional de Música de Lisboa (1946/53), tendo sido aluno de Lúcio Mendes (piano) e Artur Santos e Jorge Croner de Vasconcelos (composição). Prosseguiu a sua formação em Hannover (1957/60), como aluno de Winifried Wolf (piano) e Ernst-Lothar von Knorr (composition). Na década de 60 frequentou os cursos de Darmstadt, tendo estudado ainda com Hans Joachim Koellreuter (1965) e Pierre Schaeffer (1970-2). Professor de composição no Conservatório de Lisboa (1972/75) e na Escola Superior de Música do Porto (1993-). Trabalhou como assessor musical para o Secretariado Internacional da UNESCO, em Paris (1972/75). Presidente da Juventude Musical Portuguesa (1979/91). Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (1979/91, 1998/2001).

Obra musical
(Editores principais: Quantitas e Fermata, Porto; Arte Tripharia, Madrid; ARE, Mainz)

A. Música vocal 2 cantigas de amigo (Rei D. Dinis, Rei D. Sancho I), voz e piano (1949) <> 3 poemas de Fernando Pessoa, voz e piano (1954) <> 6 poemas de Eduard Mörike, para SATB (1958) <> Regresso eterno (Rui Cinatti), Barítono/recitante, orquesta (1961) <> Portugaliae génesis (textos de vários autores em português e latim), Barítono, coro (SATB), orquestra (1968) <> Canção IV de Camões para SATB (1980) <> Canções corais (vários autores) para SATB (1981)

B. Música instrumental

I. Obras para orquesta Regresso Eterno (1961) <> Akronos para orquestra de cordas (1964) <> Partita para orquestra de cordas (1953, 1966) <> Mobiles (1968/69) <> Sintra (1969) <> Variantes (1979/80) <> Evocações (1988) <> Epos (1989/91) <> Os sons abandonados (2000)

II. Música de cámara Sonatina para violino e piano (1952) <> Sonatina para violoncelo e piano (1954) <> Quarteto de cordas (1958) <> Perspectivas para 3 grupos instrumentais (1965) <> Diálogos para flauta, violino, violoncelo, percussão, guitarra, harpa, piano e fita magnética (1975) <> Ostinati para 6 percussionistas (1979) <> Monólogos para flauta, clarinete, violino, vila, violoncelo, contrabaixo e piano (1983) <> Septeto para 3trompetas, trompa, 2trombones, tuba (1985) <> Stretto para dois pianos (1987)

III. Instrumento solo Partita para piano (1953) <> Sonata para piano (1953/54) <> Figurações(I-VIII) para flauta, piano, dois pianos, harpa, saxofone alto, marimba, guitarra, fagote (1968/95) <> Estudos de sonoridades para piano (1993)

C. Música electrónica (fita magnética) Os Persas (1970) <> Homo Sapiens (1972) <> Litania (1972) <> Reportagem (1974) <> Canto Ecuménico (1979)

D. Teatro musical Tordesyalta (1982/83) <> Zoocratas (1984/87)

É um dos compositores que, sobretudo nas décadas de 60 e de 70, mais contribuíram para a difusão das principais correntes da vanguarda musical em Portugal. A sua linguagem neoclássica inicial teve um primeiro ponto de viragem em 1954, marcado pelo uso crescente do cromatismo. A partir de 1958, a sua obra evidencia a assimilação do método dodecafónico e das experiências seriais europeias, assim como a exploração das vias abertas pela aleatoriedade. Em 1970, coincidindo com o seu período de aprendizagem junto de Pierre Schaeffer, começou a interessar-se pela música electroacústica, tendo sido um dos pioneiros da música concreta em Portugal e, nos anos 80, aplicou na composição técnicas minimalistas. Tem usado nas suas composições elementos característicos da linguagem musical de tradições não ocidentais, nomeadamente escalas e elementos rítmicos.

3/02/2005

Segunda moral: Leon Botstein dixit (1)

«Before 1989, North America reflected the severest stage of loss of interest in classical musical traditions characteristic of capitalist economies and their attendant cultures; communist Europe demonstrated an intermediary state of affairs. The mid-twentieeth-century European pattern of government support of musical culture derived from a modified continuation of pre-First World War monarchial and aristocratic traditions. As early as the 1870s, when the Third Republic completed and opened their Palais Garnier, designed initially to glorify Napoleon III's monarchy, public subsidy of artistic institutions and new work was regarded, even in incipient democracies, as in the national interest. The continuation of state and taxpayer support for orchestras, conservatories, opera companies, and their venues long remained an integral (although weakening) part of the modern politics of European national identity. This still holds true for much of Scandinavia, particularly Finland. But among many members of the European Community, pressure to reduce the scale of the welfare state has brought pressure on the levels of subsidy traditionally made available to the infrastructure of the classical concert tradition. The allure, however illusory, of private philanthropy on the American model has become strong. Ironically, when conservatives achieved political power after 1980 (Thatcher, Reagan, and both presidents Bush, for example), they privileged their advocacy of a free-market ideology over any desire of culture, even through the tax code, and thereby heightened the economic vulnerability of the high-art traditions. The attraction to a market economic logic, however, is a symptom of the increasingly marginal cultural and social significance of inherited musical traditions within Europe. American-style shifts in culture and taste are evident, even in the growing popularity of Broadway-style musical theatre. By the end of the twentieth century, only a limited number of key locations - particularly Germany, France and Austria - are able to justify public subsidy of musical culture as a necessary economic strategy within national tourist industry. For Austria, its chief value today is as an object of tourism focused exclusively on a distant past, a musical museum akin to castles and historic sites.

Since 1989, then, it has become more starkly apparent that high-art music has always stood apart from the logic of the market, depending for its vitality not on voluntary mass popularity but on systems of private non-for-profit investment and public subsidy – for whatever dubious political purposes. The demise in post-communist Eastern Europe and Russia of classical high-art traditions in terms of state support and audience interests has been amazingly rapid: the inundation of inexpensive commercial popular music and a wide range of television and video programmes, as well as the Internet, coincided with access to most forms of modern public entertainment. This, together with the sharp reductions in state subsidy, has eroded public participation in concert music in Eastern Europe and Russia. Music publishing has all but ceased. The once enviable music-educational infrastructure has weakened. State monopoly of the airwaves has given way to Western-style commercial competition. The demands on impoverish governments for public subvention of social services has made sustaining the levels of state support for music enjoyed under communist unthinkable. The classical music tradition is now faced with the same challenges evident in Western Europe and North America.»

Segue...

Primeira moral: quero lá saber quem escuta?

Sérgio Azevedo e Luís Pena têm publicado recentemente, nos seus respectivos blogues (Tonalatonal e Decompor, que estão na lista de links sobre música, na coluna da direita) posts relacionados com a questão do "ser compositor hoje". O primeiro cita Honegger e o segundo compara duas gerações de compositores tendo como perspectiva o ouvinte ideal de cada uma delas.

Fizeram-me pensar no célebre artigo do Milton Babbitt, "Who cares if you listen?", publicado em 1958, não tanto pelas conclusões, mas pelo diagnóstico.

3/01/2005

Duas coisas boas, ontem em Lisboa

A apresentação do Birmingham Contemporary Music Group na Gulbenkian e The Beggar's Opera no Teatro Aberto.

Tudo tem a sua moral, como irão ler no próximo post.

A da Beggar's Opera é esta: aquele que hoje chora, estará a rir amanhã.