1/12/2006

A logica ilógica desta comédia

Augusto M. Seabra serve-se no seu inflamado artigo de hoje no Público da comparação entre o São Carlos e Dona Maria para, mais uma vez, chamar a atenção para os sintomas de “desastre”, na sua expressão, político patentes na actuação do Ministério da Cultura nos últimos dias.

É muito importante o que lembra no texto, sobretudo no que diz respeito à questão da cultura em sociedades democráticas e abertas com as características da portuguesa, embora eu esteja em desacordo com algumas das suas afirmações pontuais, precisamente no trecho em que faz essa comparação. Tendo em conta que o São Carlos e a OSP não são instituições independentes, acho que o esforço por estabelecer uma rede de colaborações e por dar resposta a uma procura diversificada é uma das características que têm marcado a sua actuação na "era Pinamonti". Que podem ser feitas mais coisas e coisas diferentes? Sem dúvida. Mas que o que é feito, em condições nem sempre ideais, faz parte de um programa coerente e, ao mesmo tempo, variado e aberto é indiscutível.

Parece haver, apesar de tudo, alguma lógica – proteccionista e nacionalista – na acção do Ministério comum à música e ao teatro, que se tem evidenciado no projecto de criar, no seio do IA, uma editora de música votada aos compositores portugueses. Como se o papel e o Finale (o programa informático usado habitualmente para a edição de partituras) fossem suficientes para a promoção da “clássica”. Temos assim o Estado, já não a incentivar, mas a substituir a sociedade civil. O mesmo Estado que, por Lei, vai impor "quotas" de música portuguesa às rádios (sobre este assunto, vale apena ler estes comentários, no NetFM).

Deixa, ao mesmo tempo, de haver lógica quando o mesmo Secretário de Estado que diz que o facto dos guionistas serem obrigados a ter apoio de um produtor nas candidaturas a subsídios do Estado limita a criatividade (foi noticiado há meses no Público), repentinamente, esgrime como prova de má gestão o dinheiro exagerado que custou ao erário público cada assistente a um determinado espectáculo do Dona Maria. Santa preocupação. Hoje, no Parlamento, a Ministra tentou fazer manchete: «As receitas do TNDM em 2005 não pagaram os ordenados dos administradores». Pois é. O bilhete da minha filha para ver A Ilha Encantada costou 2,5 euros: acredito que, praticando esses preços, não chegue.

Deixando de lado a possível demagogia pcpulista, serão comentários como este (o SEC e Carlos Fragateiro também estão muito preocupados com os ordenados do TNDM) um indício de que vai entrar na lógica dos apoios o critério de limite de subsídio para cada espectador e de que os teatros nacionais, a cultura em geral, deverão aspirar à auto-suficiência financeira? Afinal, vai resultar que Filipe La Féria e o actual Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Mário Nunes, têm razão.