Ontem fiz parte de um júri de doutoramento na Universidad Complutense. A já Doutora María Palacios Nieto, docente da Universidad de Salamanca, defendeu uma dissertação dedicada ao denominado "Grupo de Los Ocho" e à sua actividade em Madrid entre 1923 e 1931. A tese está repleta de referências à crítica da época, pelo que se encontram, nas suas páginas, notícias da estreia de La Tragedia de doña Ajada, o poema bufo sinistro para canto, recitação, lanterna mágica e orquestra, resultado da colaboração entre o compositor Salvador Bacarisse, Almada Negreiros e o poeta Manuel Abril.
A obra provocou junto do público um dos raros escândalos musicais produzidos em Espanha. A partitura original encontra-se extraviada, pelo que a primeira versão da obra não foi discutida na tese. Conserva-se apenas a suite orquestral realizada por Bacarisse pouco tempo depois, talvez seguindo o conselho da crítica e do público mais conservadores que, na altura, não suportou a “marginalidade”, a “disparidade” do texto e dos desenhos em relação com a música. Queriam escutar a partitura com ouvidos “organicistas”, como se fosse uma peça de música absoluta. Bacarisse cedeu até ao ponto de colocar o número que tinha sido mais elogiado pelo seu efeito stravinskyano como final... A suite foi estreada um ano depois, em 1930, ao que se sabe, sem escândalo, mas também sem grande sucesso.
Ou seja, até certo ponto o causante – satisfeito, imaginamos – da reacção negativa do público foi o próprio Almada, juntamente com o poeta Manuel Abril. Adolfo Salazar escreveu isto a propósito do espectáculo original, nas páginas do prestigioso diário El Sol:
Verdadero espectáculo de teatro para niños, éstos le sabrán agradecer mejor su propósito que el sesudo y respetable público del Palacio de la Música, incapaz, por lo visto, de percibir el matiz grotesco de una cosa, o demasiado profundo para admitirlo...
(o retrato de Almada foi retirado deste anúncio da exposição El alma de Almada el impar..., onde foi possível ver os mencionados desenhos)