Mário Mesquita, no PÚBLICO de hoje, começa a sua coluna dominical com a seguinte frase: «A vantagem de quem não pertence à categoria dos guardiões do panteão literário, que chamam a si a gloriosa tarefa passar certificados de imortalidade, é a possibilidade de escolher caprichosamente as leituras, sem demasiada preocupação com o destino que a comum opinião de doutos e menos doutos - ou tão-só dos que controlam os aparelhos de difusão da cultura (mediáticos e escolares) - reservará aos respectivos autores.»
Há dias, desde o fabuloso concerto que os Takács ofereceram no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, que estou a pensar na questão do «representativo» na música, de resto no seguimento das leituras sobre historiografia que ando a fazer ultimamente por causa do projecto docente que em Espanha é requerido para avançar na carreira universitária. O quarteto incluiu no programa três obras «representativas» do género e de três períodos da história da música, da autoria, respectivamente, de Haydn, Borodin e Beethoven.
O que interessa não é apenas a análise do papel assumido pelos «guardiões da história» desde o século XIX, do seu surgimento como mediadores institucionalizados e das metamorfoses da sua função até ao século XX, mas também as amplas consequências da adaptação da história, especificamente da história das artes, ao paradigma da cientificidade, fundamentada do ponto de vista teórico em dois conceitos principais: período e estilo, que, por sua vez, usam como ferramenta legitimadora principal a ideia de «representatividade». É óbvio que não estou apenas a pensar na relação com a realidade (um quadro que representa tal «coisa» do mundo sensível), mas na ideia de que uma obra ou um autor possam conter ou sintetizar valores, o «espírito do seu tempo» (ou da sua classe, ou de uma ideologia, ou de uma corrente estética...) e da função que, subsequentemente, assumem as palavras que objectivam essa representatividade no exercício efectivo do poder.