1/09/2007

De dissolutos e de imperadores

Como ando de rastos no statcounter, achei que seria uma boa estratégia polemicar um bocadinho com o Henrique. Trata-se de uma falsa polémica, claro: mas todos sabemos que este é um detalhe negligenciável quando falamos de audiências!

No seu blog lembrou o esquecimento a que todos – acho eu – votamos a estreia da ópera Il Dissoluto Assolto no Scala. De facto, na estreia, perante a presença dos autores, houve, conforme a fonte, vaias ou alguns assobios. No entanto, alguma outra crónica, aparentemente a propósito da mesma récita, não menciona o facto. O autor desta última crítica refere a perplexidade do público, que, segundo narra outra fonte, saiu como se fosse perder o último metro para chegar a casa. The Opera Critic também usa a palavra perplexidade para descrever a reacção do público a propósito da récita do dia 28.

No que diz respeito à obra, encontram-se comentários negativos a propósito do libreto e na avaliação global da montagem (fica a ideia de ter sido mortalmente aborrecida) e bastantes elogios à partitura. A mais grave crítica feita, não apenas ao texto, mas também ao próprio Saramago, é a que acusa a ambos de ingenuidade, o que, convenhamos, sendo suscitado por uma “releitura” do mito de Don Juan é bastante pouco simpático… No entanto, também houve quem não manifestasse nenhum reparo ao libreto. Já agora, o Henrique errou na sua profecia: não foi preciso esperar 100 anos, a ópera já foi objecto de uma comunicação apresentada num congresso de semiótica.

O erro do alinhamento (tal como em Lisboa, Il Dissoluto foi interpretado juntamente com a Sancta Susanna, de Hindemith) foi assinalado como motivo do insucesso global do espectáculo neste blog italiano. O argumento mistura-se com a reivindicação da produção dramática dos compositores italianos modernistas, nomeadamente, e com justiça, de Dallapiccola. Curiosamente, em Lisboa, houve quem avaliasse positivamente o texto de Saramago e negativamente a partitura de Corghi, aproveitando o ensejo para chamar a atenção para a produção musical portuguesa mais recente. Pode se comprovar neste artigo, assinado por Augusto M. Seabra.

Sabemos que o Scala tinha atravessado uma grave crise nos meses anteriores, que o seu público não é demasiado "aficionado" às novidades e que nas estreias de obras contemporâneas é bastante habitual a reacção perplexa de plateias quase vazias. Nada de novo, misturado, ainda, com a possibilidade de que na censura/elogio a Saramago haja motivações políticas e de que os elogios italianos a Corghi se devam a uma forma de proteccionismo cultural de carácter nacionalista.

Será, por isso, talvez, interessante comparar também o affaire milanês do Dissoluto Assolto com as reacções perante a recente estreia da ópera The First Emperor, de Tan Dun, no Metropolitan. Comparem-se aliás as dos críticos dos jornais de referência (este é um exemplo e este, outro) com a da crítica quase-blogosférica da Newmusicbox, que se remata, precisamente, com um debate acerca da utilidade dos críticos. Resumindo, para quem não tiver paciência: quem não gostou, compara The First Emperor com uma chávena de chá morno, embora salve (tal como aconteceu na estreia milanesa do Dissoluto Assolto, de resto) o empenhamento dos intérpretes, quem dá o benefício da dúvida, destaca os momentos bons da partitura e a necessidade de que os teatros de ópera promovam de forma regular as novas obras de compositores contemporâneos com o argumento, razoável, de que essa é a única forma de ganhar experiência no meio. Aplica-se particularmente aos romancistas metidos a libretistas!

Agora, serão os grandes teatros os responsáveis por incentivar estas tentativas? De facto - e tal como Augusto M. Seabra refere na crónica antes mencionada - uma das experiências de "teatro-musical" ultimamente mais bem sucedidas em Lisboa foram os fantásticos Contos Fantásticos estreados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa no Teatro de São Luiz em 2006 (e que voltarão a ser montados em Fevereiro). Mas não são ópera.

Só mais uma coisita., Duvido que haja mais oportunidades de ver/escutar a obra da dupla Corghi/Saramago. A ópera de Tan Dun poderá ser escutada este sábado em directo do Met, pelas 18h30 portuguesas (por exemplo, através do site da Rádio Clásica espanhola). Plácido Domingo é o protagonista.