1/16/2007

De estradas rápidas

Os Contos Fantásticos, de Luís Tinoco, poderiam ser colocados no âmbito da relação entre ópera e cinema. Uso, porém, o termo ópera com enorme flexibilidade, já que, de facto, a voz humana que se ouve é a de um actor e os músicos da orquestra, em palco, são também personagens. Ainda, o que é paradoxal, é que custa imaginá-los reproduzidos em duas dimensões, limitados num ecrã.

Uma das peças intitula-se “A estrada rápida”. A partir de um texto de Terry Jones (actor, realizador e escritor britânico, membro do grupo Monthy Python), essa fábula relata-nos a história de uma menina que, de forma inexplicável, viaja a velocidade vertiginosa através de uma via rápida, atingindo espaços desconhecidos e vivendo situações assombrosas. A sensação da deslocação súbita apresenta também analogias com a maneira como pode abordada na escuta Round Time, a segunda obra orquestral de Tinoco, escrita em 2002. Cores, e espaços são apresentados a longo do único andamento de que consta a obra com uma rapidez alucinante, mediante sucessivos impulsos, estruturas acumulativas e gestos ascendentes. Em ambos os casos, é conseguido um momento - e um espaço - único e impossível de reconstituir através de meios de reprodução mecánica, ao mesmo tempo que se transmite ligeireza, impacto, espectáculo.

Luís Tinoco sublinha que em Round Time se preocupou principalmente com o que ele denomina “problemas de dimensão”: a dimensão vertical – o que fazer com tantos instrumentos? – e a dimensão horizontal – como controlar os recursos da orquestra no tempo?. A dimensão horizontal é aquela que se apreende mais facilmente numa primeira audição, ao longo da qual se torna evidente o efeito de continuum em que, usando as palavras de Tinoco, “se encadeiam uma série de eventos sonoros dotados de visualidade, de certo modo como um conjunto de painéis de um políptico”.

O políptico organiza-se mediante referências, subtis e não explicitadas pelo compositor, a uma espécie de sinfonia, que começa com um primeiro minuto de pura magia sonora. Depois desta introdução, que tem a virtude de nos colocar perante o nascimento de um acontecimento sonoro que tem qualquer coisa de matérico, encontramos os gestos enfáticos que associamos tradicionalmente ao primeiro andamento em forma de sonata. A seguir, temos uma espécie de scherzo em que se evidencia as técnicas de escrita repetitiva, um momento de serenidade e, por último, um finale que, embora preparado de forma evidente, nos conduz à súbita desaparição do som. Este deixa de existir de forma tão misteriosa como quando, no início, surgiu do nada.

Pode ser, ainda, escutado como uma viagem pelas memórias que preenchem a paisagem sonora do século XX: de Stravinsky a Ligeti, de Copland a Adams, do jazz à música electrónica.