1/22/2007

Normalidade e downsizing

Na quinta passada, no artigo de Paulo Rangel (sem link, no PÚBLICO, claro), comentava-se a mania compulsiva que têm os Governos de sublinhar que está tudo dentro da ordem democrática quando algum dos órgãos do Estado, exercendo as suas funções, reage perante uma das suas decisões. Por causa desse artigo, achei ainda mais piada, algumas páginas depois, a este comentário da responsável pelo gabinete de comunicação do Ministério da Cultura: "São situações normais, é o funcionamento da democracia". Vinha a propósito do esclarecimento solicitado por três diputados do PS a propósito da fusão do São Carlos com a Companhia Nacional de Bailado.

Hoje, também no PÚBLICO, Tiago Bartolomeu Costa (do excelente O Melhor Anjo), opina sobre a tal fusão. Fala em dinheiro, como era de esperar, assinalando o fundamental: "o modelo [de fusão] proposto pelo MC tem como exemplos a Ópera de Paris, o La Scala e a Royal Opera House de orçamentos cinco vezes superiores ao acumulado CNB/TNSC". Os números que o Tiago aponta no seu artigo dão, de facto, que pensar, porque colocam a questão da margem orçamental que um teatro ou uma companhia de bailado precisam para ser verdadeiramente eficientes, ou seja, para que do investimento que se faz neles se obtenha algum retorno. Assim, o 75% do orçamento do CNB destina-se a despesas fixas, o que é uma espécie de estrangulamento do que deveria ser a sua finalidade principal, à qual se dedica apenas o 25% restante. Afinal de contas, poupar sai caro.

O Tiago (tal como José Sasportes, neste artigo publicado pontualmente no DN) fala dos efeitos que a fusão numa nova estrutura denominada OPART poderá vir a ter na perspectiva do CNB. Paolo Pinamonti já referiu em várias entrevistas as consequências na perspectiva do TNSC. Por exemplo, nesta, também publicada pelo DN.

Já se conhece, pelo que está a acontecer há anos com a OSP, o efeito do downsizing na sua versão anoréxica no âmbito da gestão cultural tutelada pelo Ministério. Por analogia, o exemplo parece confirmar as previsões no que diz respeito à CNB. A indefinição absoluta da OSP enquanto agrupamento deriva-se directamente da sua fusão com o Teatro Nacional de São Carlos. Desapareceu aquele horroroso "Orquestra Sinfónica Portuguesa do Teatro Nacional do São Carlos", mas, mesmo assim, o seu perfil artístico não existe. É aliás de temer que, a seguir, os responsáveis por esta situação, deitando a mão à retórica do mercado, tão à la page, acabem por chegar rapidamente à conclusão de que ter uma orquestra sinfónica é um "desperdício", incongruente numa nova estrutura vocacionada para a "produção" artística". Tudo o que pode piorar, piora...