6/17/2007

Ensino artístico

Tenho vindo a acompanhar os debates blogosféricos suscitados pelo Relatório de Avaliação do Ensino Artístico, encomendado pelo Ministério da Educação. Agora acabei de ler o que o Carlos tem escrito sobre o mesmo aqui, aqui e aqui. Nesses posts, desvenda as implicações que – no mundo real – têm as decisões legislativas baseadas no tal relatório.

Conheço essa realidade apenas como utente. Tenho uma filha que, coitada, já se resignou à ideia de que vai ter de aprender a tocar um instrumento musical daqueles que, daqui por umas décadas, só serão lembrados em imagens procuradas através do google. Sendo a mãe integralista que podem ver que eu sou, fiquei particularmente satisfeita, quase comovida, quando, folheando o dito Relatório, os autores me informaram de que, lá no fundo, o que eu tenho é mania de grandeza e a suspeita esperança da minha filha vir a pertencer à elite.

Leiam os posts do Carlos, sobretudo porque ele nunca perde de vista o essencial: a grandeza da música e os caminhos tortos através dos quais os nossos governos fazem com que a ela só tenha acesso uma minoria. Em Espanha consolamo-nos a pensar que, afinal, estamos melhor do que antigamente, mas a realidade é, por exemplo, que as escolas de música municipais com capacidade para pouquíssimos alunos recebem, anualmente, centenas de petições desatendidas de pais desejosos de dar aos seus filhos uma educação musical decente. Há alguns tempos admirei-me ao descobrir que o mesmo acontece em França: falei aliás na altura sobre isso no blog. Obviamente isto é apenas aquilo em que pode reparar uma utente, deixo o resto para os profissionais na matéria.

No entanto, achei curiosos os preconceitos que os autores revelam nos parágrafos em que abordam, displicentemente, o assunto da história do ensino musical em Portugal. O primeiro é um preconceito de género. A feminização do corpo de estudantes não deve ser visto, como eles fazem, apenas como a consequência do desejo das famílias burguesas de "adornar" - pecado nefando, pelos vistos - as suas mulheres com o estudo da música: não podemos esquecer que o conservatório formava principalmente profissionais e que foram numerosas as mulheres que, sendo-lhes vedadas outras vias de desenvolvimento laboral, conseguiram alguma independência económica pela via da docência no domínio da música.

Isto leva-me ao segundo assunto, que se liga com um preconceito de classe: pelos vistos, só a "elite" tem tido tradicionalmente acesso ao ensino oficial da música em Portugal. Será que a "elite" que comprava cada temporada os vestidos e o enxoval em Paris e podia pagar colégios e tutores privados inscrevia, mesmo, as suas criancinhas no conservatório? Teria gostado de ter percebido melhor qual é a elite em que estavam a pensar quando redigiram o dito relatório: talvez fosse naquela que, em tempos remotos, acreditou no Estado.