11/24/2005

O star system dos pequeninos

O pianista Domingos António caiu do firmamento no ano passado, suscitando elogios estratosféricos pelo talento, técnica e determinação. Agora que um primeiro disco seu sai numa grande editora, os amigos e admiradores cumpriram a missão: revelar um «génio».

A prosa não é minha. Foi retirada, com a vénia, da Visão online. Tenho encontrado expressões similares em diversas publicações periódicas (da Máxima ao Público, passando pelos sites da RTP e da Sapo). Seria fácil - divertido, até - estripar a retórica do coitadinho-génio que tem prevalecido, pelos vistos com sucesso, na maior parte dos textos publicados sobre ele. Obviamente, os meus instintos agressivos dirigem-se apenas às palavras: a pessoa Domingos António merece-me o maior respeito.

O Henrique escreveu sobre o assunto no passado dia 15. Não vou desenvolver as questões que ele levanta, todas elas relativas à recepção crítica que o mencionado pianista tem tido. Talvez, porque foi o que notei aquando da primeira apresentação pública do pianista em Lisboa, caberia reflectir, não apenas sobre o silêncio dos críticos profissionais, mas, também, acerca da autoridade técnica e artística que então foi conferida a pessoas como Duarte Lima, António Cartaxo e António Victorino de Almeida e da permeabilidade com que os media e as "forças vivas" do país a saudaram. Eles é que foram os primeiros apoiantes da causa em prol do pianista.

Porém, o que este post pretende é principalmente chamar a atenção para a campanha de marketing que tem promovido o lançamento do CD "Quadros de várias exposições", inaudita no mundo da clássica portuguesa. Depois do elogio, vou a aproveitar para oferecer os meus serviços de assessoria dando um conselho: para a próxima, escolham um músico profissional português um bocadinho mais consistente. Se calhar, até conseguem incentivar a criação de um "star system" local. Seria bem-vindo.

(É que, depois de ter escutado ontem na FNAC alguns fragmentos dos "Quadros de várias exposições", hoje tenho dedicado parte do meu tempo à audição do duplo CD com a integral da obra para piano de Jorge Peixinho, gravada recentemente por Miguel Borges Coelho. Espero não ser mal interpretada: não estou a compará-los. De facto, como se dice en castellano, no hay color.)