Era para ter tido com ele a polémica que era de esperar entre uma massenetiana e alguém que gosta desse piroso do Mascagni, mas afinal não foi possível ou, pelo menos, não foi possível por enquanto. Isto não significa que é agora que vamos ter uma polémica sobre outro assunto, claro está. É só que li o último post do Henrique a propósito da conferência de António Pinho Vargas desta semana (à qual não me foi possível asistir) e achei tão interessante que não resisti a fazer um comentário.
A primeira parte é óbvia: a actuação pública de Boulez é tão variada que se compreende que possa ser difícil apreciar positivamente tudo aquilo que ele faz. Uma personalidade aparentemente bastante autoritária também não ajuda muito a gostar dele. A questão é que, estando de acordo com muitas das coisas que o Henrique diz, ao mesmo tempo, e cada vez mais, não deixo de cultivar uma admiração por Boulez por causa do seu empenhamento, no século XX, numa ideia elitista e minoritária da música. Perdeu a aposta (até ele próprio se tornou numa espécie de marca, como a Mercedes-Benz: se é Boulez dirigir, é bom, investimento seguro, compra-se) e fez que se «perdesse» também muito dinheiro do erário público francês nos seus proyectos, mas...
Pelo caminho, todavia, também deixou umas quantas obras que só sendo muito tendencioso se podem desprezar (Le Marteau, as duas Dérives, Livre pour quatuor, Rituel...).
Contudo, no fundo, Boulez não me interessa demasiado, ou melhor, não me interessa gastar o meu tempo falando nele.
Mas sim que me interessa pensar nalgumas das coisas que o Henrique dizia, sobretudo isto: « Boulez é um gesto, um formalismo, uma necessidade de ser avant garde de uma arte que já não consegue ter guardas nem muito menos avançadas, porque a arte já não é um movimento em direcção a algo, a arte hoje não se rege por padrões lineares ou planares.»
A questão é que não sei quando é que a arte foi isto: «um movimento em direcção a algo». Na música, é certo, temos a infelicidade de ter de aguentar essa ideologia da teleologia infalível e do pensamento único. Está bastante estendida, mas, também, não sei se houve nunca nada comparável com o terramoto Wagner no resto das artes. Ninguém tem a culpa disso.
E mais outra coisa, o tal “divórcio” entre o público (ou uma parte dele) e o compositor (ou pelo menos alguns) e algumas obras já existia nos tempos de Mozart. Muitas notas, lhe disseram a ele. Ininteligível, diziam a Beethoven. Sensual e ilógico, diziam a Mahler. Nem sei a quantidade de imaginativos piropos que foi lhes dedicada a Schoenberg e a Berg. Mas atenção: com isto não estou a aceitar aquela ideia de que a história separará as águas e fará dos os últimos, os primeiros.
Só temos é de tentar avançar no labirinto escutando, não esperando encontrar nas obras a confirmação daquilo que pensamos que é o que devemos pensar sobre elas porque alguém com autoridade – ou lata, ou temperamento suficente – o disse. Agora, também não me parece justo confundir a falta de paciência de cada um com aquilo que uma obra propõe e, menos ainda, com o falhanço ou com sucesso do percurso do seu autor. Pensar nesses termos é cair na cilada de aceitar que a “história”, afinal, tem sempre razão. Ou, pior, entender a história como uma espécie de “Big Brogther” televisivo.
Há, porém, peças musicais más e acho que temos tudo o direito a não ter paciência para elas. Isto último aplica-se também às boas.