5/24/2007

Tiago Bartolomeu Costa dixit

Isto  deve ser um bocadinho ilegal, mas, com a vénia e enquanto ninguém se queixar, aqui fica o artigo que Tiago Bartolomeu Costa, do blog O Melhor Anjo, assina hoje no Público. Intitula-se "Um engodo chamado Opart". A leitura pode ser complementada com a do publicado ao longo destes meses no Ideias Soltas.
A lei de 27 de Abril, que define o Opart, o organismo que oficializa a junção da Companhia Nacional de Bailado (CNB) com o Teatro Nacional São Carlos (TNSC) - disponível em http://www.dre.pt/pdf1sdip/2007/04/08200/27792786.PDF -, é de tal forma desfasada do seu tempo que só um Estado como o nosso, ausente de memória e consciência pública, o pode permitir. Esta caricatura do que se entende por cultura sustenta-se numa argumentação pífia que acusa a pequenez e o fechamento a uma realidade em tudo contrária às recentes directivas europeias, tão depressa aclamadas pelo Ministério da Cultura (MC). O retrocesso cultural é óbvio e deveria envergonhar todos aqueles que recentemente se bateram pela honra de Paolo Pinamonti, ex-director do TNSC.

Mais do que oposição a uma estratégia política, devia ser a um modelo enviesado que se provou falhado em muitos países e em Portugal na década de 80. O MC justifica-se com um passado honroso, do século 19, com "temporadas regulares de ópera e de bailado", provocando grosseiros saltos históricos que ignoram todo o trabalho feito nos últimos 50 anos, pelo Ballet Gulbenkian ou a CNB, igual a zero para uma tutela cega e obcecada com uma história que lhe sirva. A introdução à lei merece ser lida pelo seu carácter juvenil e exemplo do que regressa: uma cultura "músico-teatral".

Seguimos cantando e rindo agora que chegou o tempo de "criar condições para uma melhor articulação dos recursos humanos e materiais disponíveis, aumentando a eficiência da sua utilização ao serviço de ambos os projectos, mas sem prejuízo das suas respectivas identidades artísticas".

O secretário de Estado da Cultura (SEC), Mário Vieira de Carvalho (PÚBLICO, 16/05), garante que vai poupar 1,3 milhões de euros no orçamento. Teria sido interessante explicar como, se só na CNB o que há não chega para o cenário da próxima peça e muito menos para o segundo semestre de programação do Teatro Camões.

Ou esclarecer o que, na lei, entende por receitas vindas do mecenato (artigo 21, alínea 1b), uma vez que, neste momento, Millenium BCP e EDP passam a concorrer para a mesma supraestrutura com um só orçamento, que no caso da CNB foi a única forma de se poder trabalhar com algum ritmo. Irá o MC fazer o mesmo que no Museu de Arte Antiga - verbas angariadas pela sua directora serviram para suprir faltas noutros museus -, gerindo os apoios dos mecenas a seu bel-prazer? Terá informado os administradores das empresas? Quem vai negociar esses apoios? O conselho de administração do Opart vai vender o mesmo produto duas vezes?

Apesar de a lei prever que as duas casas gozarão de "todos os necessários poderes de superintendência na produção, programação, comunicação e projectos educativos", justificados como "garante da coerência e da excelência da actividade artística e da imagem que dela se projecta nacional e internacionalmente", a tutela não se coíbe de considerar que está finalmente na altura de repor a ordem nesse grande equívoco que foi a separação da CNB do TNSC, em 1998. Razões: o subaproveitamento do TNSC e do Teatro Camões, a "expectativa de aumento potencial de públicos que não tem sido explorada", ou o grande investimento que precisa ser traduzido "na missão de serviço público" e "ser proporcional ao investimento que o Estado faz".

Mas os seus responsáveis directos, os directores artísticos - e o da CNB está por nomear - não terão direito a voto (artigo 10, alínea 2), sendo a estratégia, eminentemente financeiro-cultural, assinada pelo conselho de administração nomeado pelo MC e as Finanças, onde pontuam gestores sem reconhecida experiência na gestão cultural?

Nada disto parece preocupar a comunidade artística e intelectual, jornalística e política, certamente crentes de que esta equipa ministerial vai passar e outra, mais acessível, desfará o engodo. Como se fosse assim tão simples estar sempre a começar de novo. Como se não fossem óbvias as estratégias de acautelamento futuro do secretário de Estado da Cultura, verdadeiro timoneiro deste imenso barco onde nos afunda.