4/26/2007

Eu também não volto a falar dos Dias da Música

Não pensava voltar a escrever sobre os Dias da Música porque, francamente, é um assunto que me aborrece e não me diz respeito. Porém, depois de ter lido, na última página do Público de terça-feira, um elogio a António Mega Ferreira apesar da derrapagem orçamental que apresentou o seu festival, para maior escárnio, editado juntamente com outro texto onde se acha o máximo que Nicolas Sarkozy tenha louvado a reforma da função pública liderada por José Sócrates em Portugal, não consegui resistir. Uma não é de pedra.

Entretanto, ontem achei piada a esta notícia do Diário de Notícias, publicada em 2006, onde se diz que o orçamento previsto para a Festa da Música nesse ano tinha sido de um milhão de euros, mas que, nas palavras de Mega Ferreira, “teve de haver reajustamentos de acordo com a nossa disponibilidade financeira, que é de 850 mil euros”.

Afinal, a Festa da Música de 2006 custou 850 mil euros, 1 milhão ou 1 milhão e 200 mil?

Pelos vistos, os Dias da Música custaram 600 mil. Isto é a metade de 1 milhão e 200 euros, mas é mais de dois terços de 850 mil. O Fliscorno fez algumas contas. O Henrique também, assinalando aliás que a derrapagem foi realmente do 50% se considerarmos que o orçamento inicialmente anunciado era de 400 mil euros… Em termos relativos, o preço dos Dias da Música disparar-se-ia se considerarmos o número de instrumentistas envolvidos em ambas as iniciativas (eis um resumo do programa da Festa em 2006, com um destaque para a particupação portuguesa) e tomarmos como critério o que efectivamente se pagou por cada concerto. Isto aconteceria inclusivamente se aceitarmos o orçamento do milhão e 200 mil euros.

Tal como o orçamento, também a questão do suposto "novo conceito" dos Dias da Música deveria ser tema de tertúlia blogosférica. Já disse que o assunto não me diz respeito: poderão comprovar que, na realidade, este post foi motivado por um certo desprendimento de matriz kantiana. Mega Ferreira disse na conferência de imprensa que todos nós tínhamos andado a confundir formato e conceito, que o que ele apresentou foi um novo conceito, o conceito próprio dos Dias da Música. É admirável e muito meritório que a equipa do CCB tenha conseguido montar o programa que foi oferecido em tão pouco tempo. Sobre isto não tenho nenhuma dúvida. Mas, por favor, não me digam que houve um "conceito" sobre o qual se fundamentaram as escolhas.

Há um aspecto que me interessa particularmente enquanto musicóloga. A programação da Festa da Música orientava-se por critérios de carácter vagamente historiográfico, pelo que a criação ulterior de discurso estava assegurada. Tinha, portanto, entre outras, uma evidente função pedagógica. Não oferecia apenas o prazer efémero da música ao vivo, mas a possibilidade real de aprender alguma coisa sobre a história da música em sentido lato, assim como sobre a história dos géneros musicais, da interpretação, do percurso dos próprios compositores. Colocava questões e dava perspectivas.

Asseguro-vos, meus caros contertúlios, que ter escutado no mesmo dia, por exemplo, as Variações sobre um tema de Paganini, de Rachmaninov, o Festim da Aranha, de Roussel, prelúdios de Debussy, obras de Chopin e a sonata de Liszt, o terceiro de Prokofiev, Frescobaldi e Bach entremeados por música techno, o terceiro de Beethoven… não leva, intelectualmente, a lado nenhum. As minhas escolhas foram, por força das minhas circunstâncias pessoais, 
pouco ponderadas. Mas, mesmo assim...

Querendo diferenciar os “Dias” (onde não há conceito para além do acaso temporal resultante de terem acontecido durante um fim de semana sessenta concertos nos quais trinta pianistas  tocaram o piano) da “Festa” (acho que a distância é evidente, não é preciso explicar a significação do termo quando associado à música clássica), banalizou-se o evento. Copiou-se a aparência (ou seja, o formato) e desintegrou-se o conceito original, é certo, mas este não chegou a ser verdadeiramente substituído por outro. E se o foi, sou tentada de dizer que foi apenas substituído pelo vazio.

Coisas como esta são as que explicam a decadência dos povos peninsulares.

Corei depois de ter escrito a anterior frase. Ainda bem que não penso voltar sobre este assunto.