4/16/2007

Separadas pelo Tejo

A distância quilométrica que separa o Centro Cultural de Belém do Teatro Municipal de Almada não é muito grande. E, contudo, quando a percorremos, deparamo-nos com mundos completamente diferentes. Tive esta experiência no passado fim-de-semana. Na sexta, fui ao concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa no CCB e, no sábado, fui ver a peça de Daniel Schvetz que mencionei dois posts atrás.

O ambiente muito formal e sempre um pouco frio do CCB não tem nada a ver com aquele que se respira no Teatro de Almada. A diferença passa pelas cores escolhidas para a decoração, pela escala de ambos os edifícios e, até, pela roupa que levam vestida as pessoas que atendem o público. E pela expressão que têm no rosto. No caso deste fim-de-semana, houve igualmente diferenças no que diz respeito ao público. Um auditório praticamente vazio em Lisboa, enquanto, em Almada, a sala estava esgotada. Ainda, na sexta, tivemos repertório tradicional e, no sábado, uma estreia. No primeiro caso, ouvimos música alemã tocada pela OSP e, no segundo, vimos e escutámos uma peça de teatro musical que mereceria o qualificativo de ibérica, baseada num conto de um autor português, de temática castelhana e musicado por um argentino.

Acasos.

Contaram-me, no entanto, que dias antes a OSP tinha conseguido encher o auditório almadense. O público acabou chamando o próprio Paolo Pinamonti ao palco e que este teve direito a uma ovação cerrada. Do programa constava o Requiem de Verdi. Outro acaso. Em Lisboa, as cento e tal pessoas que assistiram ao concerto de sexta também aplaudiram com entusiasmo. O concerto foi um daqueles em que o contexto importa. Ou seja, fosse a OSP uma orquestra com auditório próprio e maestro titular, com um gerente a ela dedicado em exclusividade e a minha opinião seria diferente. Seria também outra orquestra. Paolo Pinamonti teve o mérito de pacificá-la, assim como o fez com o coro tão aficionado às greves intempestivas – e, seguramente, laboralmente motivadas – em épocas passadas. A criação de uma identidade do agrupamento em termos sonoros e institucionais, porém, é que ficou pendente: um sonho impossível sem um mínimo de estabilidade e de regularidade que “vertebre” (será que a palavra em português não existe?!) a sua actividade.

Josep Pons, maestro convidado para a ocasião, com o seu gesto talvez exagerado para o gosto lisboeta, imprimiu o seu dinamismo no agrupamento, que respondeu muito bem. Na peça de Schreker divertiram-se e isso transpareceu para a plateia. Fantásticas as trompas e a flauta solista na quarta de Brahms. Andamentos, porém, com resultados um tanto desiguais, e, de facto, sem aquela flexibilidade que cria formas sonoras passando por cima da regularidade do compasso e que em Brahms é fundamental. Hoje acordei hanslickiana. Eu gostei, porém, das cores que Pons tirou, quase diria analiticamente, da orquestra e da rede de células rítmicas que pôs à mostra. Foi particularmente bem sucedido nas variações. No concerto de Schumann, Michael Dalberto encheu o auditório com a sonoridade absolutamente colossal que tira do piano. Fez da obra dedicada a Clara uma página de grande virtuoso, transformando a orquestra na sua sombra. Não sei se é bom o mau, mas a sua presença ficou-me gravada na memória.

O pianista apareceu rigorosamente vestido de pianista perante uma plateia, como disse, quase vazia. Houve um momento em que pensei que, afinal, no programa havia um engano: não era nada Schumann, mas Mauricio Kagel…

Isto vai demasiado longo. Por isso, vou escrever sobre a peça cénica O Defunto ainda mais telegraficamente. Em Almada, portanto, no sábado, Eça de Queiroz, Daniel Schvetz e a encenadora Érica Mandillo deram-nos teatro. Com ironia, ternura e boa disposição. A adaptação do conto de Eça foi feita encontrando soluções simples, engenhosas e sempre pertinentes.

O vídeo de Mário Costa – coincidente com o momento em que o conto se vira história de fantasmas – foi uma gratíssima surpresa e – não apenas por isso – um dos melhores momentos do espectáculo. Infelizmente, não encontrei nada sobre ele na net, mas é um nome a decorar. Do seu CV consta, entre outros trabalhos, a recente criação de filmes de animação para a Orchestre Philharmonique du Luxembourg (Goldlöckchen, op.74, com música de Kurt Schwertsik, e Till Eulenspiegel, de Strauss). Cabe ainda referir Rui Baeta, Susana Teixeira e Luís Rodrigues, assim como o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa sob a batuta de João Paulo Santos, os quais contribuíram igualmente para o sucesso.

Nuno Nabais propôs-se fazer mais uma sessão na Ler Devagar dedicada a esta obra de Daniel Schvetz. Já agora, será no próximo dia 27 ao Bairro Alto.