João Delgado, desde o Palácio dos Balcões, fez um comentário ao meu anterior post onde coloca algumas questões sobre política cultural (ou seja, questões daquelas que me transformam numa “tecladora” compulsiva). O assunto merece mais do que esta resposta apresada, mas paciência: isto é um blog ou não é um blog?
A propósito da ideia da falta de confiança que os portugueses têm no Estado, não sei o que dizer. Ou melhor, custa-me dar palpites sobre este assunto. Suponho que, sobretudo, é pertinente lembrar a necessidade da reforma global da Função Pública, onde a administração da cultura obviamente se insere. Trabalhei vários anos numa Câmara (portuguesa), um ano numa Universidade (portuguesa) e agora estou ligada a uma outra Universidade (espanhola), pelo que estou convicta dos benefícios que traz, por exemplo, quando se trabalha "para" o Estado, a aplicação de “boas práticas” na gestão diária, a médio e a longo prazo.
Mas nem sempre é fácil reformar algumas cabeças e, o pior, em Portugal há de facto reformas que não têm visibilidade e outras que não se iniciam porque é como si se vivesse permanentemente em plena campanha eleitoral, quase sempre agressiva. Aliás, nem sempre o problema é a falta dinheiro: é esbanjamento, por exemplo, fazer possível um concerto que não é produzido nas condições correctas ou programar actividades culturais sem “visão” a médio e longo prazo. Quando analisas com cuidado a maior parte dos insucessos costumam aparecer erros, como se diz, de manual.
Depois, à partida, eu não teria nada em contra das empresas públicas, nem sequer por causa da suspeita de que a sua gestão possa ser pouco transparente. O que me incomoda delas é a aparente ausência de mecanismos de controlo da qualidade imaginativos. Aborrece-me, por exemplo, o preconceito de que a qualidade não é sinónimo de bilheteiras esgotadas, ou que o desaparecimento de determinados grupos (sei lá, as donas de casa com estudos inferiores à quarta classe e maiores de 50 anos) da vida cultural de uma cidade não seja logo encarado como um problema que deve ser solucionado. Porém, acho incrível – se não tivesse lido o comentário do João nem nunca me teria passado pela cabeça – que alguém possa pensar que uma empresa pública que gere um teatro municipal substitui o pelouro da cultura de uma Câmara. Isto já não tem a ver só com a cultura.
O subsídio à bilheteira é, claro está fulcral: o princípio é subsidiar os cidadãos para assistirem aos espectáculos e assegurar a variedade destes (há “nichos” para todos os gostos). Ou seja, não se trataria de subsidiar “directamente” os espectáculos e, muito menos, os produtores ou os criadores (salvo em condições muito precisas: quando se reconhece o prestígio individual de um criador através de uma encomenda ou quando se pretende encorajar, precisamente, a experimentação).
A questão da oposição popular / elitista dava para outro post (faz-me lembrar uma interessante experiência que tive no passado ano lectivo numa das minhas cadeiras, mas fica para outra). Sumariamente, concordo com João na sua crítica. Diria, ainda que faz parte de um debate - quase seria mais apropriado dizer conversa - anacrónico e estéril por viciado.
João cita, finalmente, no seu comentário a explicação dada pelo Presidente da Câmara de Viseu para justificar a decisão de não financiar um Conservatório de Música na cidade: «como acho que o conservatório de música de viseu é caro, então a música é para uma elite e, como a câmara de viseu não subsidia elites, eu não permitirei que o conservatório seja subsidiado.» Não conheço bem essa cidade, pelo que não posso saber se lhe convém ou não lhe convém ter um Conservatório, mas sim posso estar segura de duas coisas: a esse senhor não lhe preocupa pôr em evidência a sua ignorância e não lhe apetece trabalhar.