O musicólogo americano Scott Messing publicou nos anos oitenta uma monografia – absolutamente imprescindível – dedicada ao neoclassicismo musical que parece não ter tido demasiado sucesso entre os autores de notas à margem em Portugal (outro tanto poderia ser dito a propósito da Espanha...). Autenticidade, nacionalismo, conservadurismo... são alguns dos conceitos que vêm habitualmente à baila quando se fala em neoclassicismo, demonstrando uma certa dificuldade na compreensão e na utilização deste tipo de etiquetas de uma forma dinâmica e, sobretudo, uma evidente incapacidade de deslindar o plano teórico da "realidade". O raciocínio é o seguinte: «Ah! Um termo acabado em -ismo! Que giro! Mas olha que afinal isto não é bem assim, que o compositor até disse que não podia com a palavrinha...»
Os compositores experimentam, cada obra apresenta para eles diferentes tipos de dificuldades resultantes da manipulação de múltiplos parâmetros (desculpem a gíria vanguardista)… Querem lá saber das etiquetas inventadas pelos críticos para sintetizar os aspectos mais marcantes das suas obras, numa perspectiva aliás fundamentalmente estética. Mas por vezes acontece que esses termos, por causa das suas ressonâncias culturais, têm um sucesso inesperado junto do público. Vão ao encontro das suas expectativas e, sobretudo, contribuem para a assimilação da música na sua vida.
Objectos musicais do passado nos quais se evidencia a intervenção do presente (e portanto, a sua pertinência na contemporaneidade), o gosto pelo aforismo e a predilecção pela miniatura, instrumentações camerísticas quase descarnadas na sua essencialidade… Estes são alguns dos elementos do neoclassicismo que, no entanto, também foram transformados e transgredidos: instrumentar uma cantata para orquestra sinfónica pode ser também uma forma de neoclassicismo.
No sábado passado a Orquestra Sinfónica Portuguesa apresentou em concerto a música (neoclassicista) escrita por Stravinsky, o qual se baseou em em peças de Pergolesi e outros autores italianos "antigos", para o bailado “Pulcinella”, um dos produzidos por Serge Diaghilev. A essencialidade da instrumentação, que chega aos limites do virtuosismo para os solistas, foi precisamente a exigência que colocou mais dificuldades aos músicos. O que cabe destacar daquele concerto foi a prestação de Marko Letonja, um dos maestros que melhor dirigem a OSP. Salvou a execução em termos formais e tentou trabalhar a sonoridade do agrupamento e, sobretudo, colocou os instrumentistas perante as suas próprias limitações.
A formação de orquestra de câmara permite aos músicos de uma grande orquestra sinfónica ter o prazer de se ouvirem os uns aos outros. As requintadas sonoridades camerísticas, particularmente desde fins da década de 10 e a partir da década de 20, fascinaram os compositores e “limparam” os ouvidos do público habituado às mastodônticas orquestrações oitocentistas. Esperemos que a escolha deste tipo de obras no percurso da OSP contribua para o seu desenvolvimento artístico. Houve momentos menos conseguidos, mas também foram muitas as ocasiões em que foi possível pensar: mas, que bom, estão mesmo a fazer música!
8-I-2004, Lisboa, Centro Cultural de Belém, Debora Beronesi (soprano), Luigi Petroni (tenor), Luca Salsi (barítono), Orquestra Sinfónica Portuguesa, Marko Letonja (direcção musical)