Hoje, no DN, Pedro Mexia disserta a propósito da secção de Cultura na imprensa escrita, destacando o crescente protagonismo de temas relacionados com o que poderíamos denominar (ele próprio usa o termo) “política cultural”. No seu texto parece assinalar, embora sem grandes desenvolvimentos, que o termo “cultura” deveria ser sobretudo entendido como sinónimo de “criação”.
Quando lido, transparece um certo cansaço provocado, em primeiro lugar, pela transferência dos conflitos de interesses para o debate sobre a cultura e, em segundo lugar, pela exagerada importância que esses temas têm nos meios de comunicação. Seria muito fácil ficarmos pela constatação de que, afinal, isso mesmo acontece com todos os assuntos tratados pela imprensa. Por exemplo, as habituais confusões provocadas pela contratação de jogadores entre taça e taça costumam aparecer na imprensa desportiva ou na secção de desporto dos jornais generalistas, não na de economia. O conflito, a polemica, é uma das bases da retórica jornalística. Noticiar conflitos simplifica de forma notável o trabalho de chamar a atenção ao leitor.
No rescaldo de acontecimentos como a guerra dos comunicados cruçados entre o Ministério de Cultura e a direcção do Teatro Nacional de São Carlos (inseparável, claro está, do desfecho anunciado das eleições de domingo) ou, ainda, do contentamento da Plataforma pela Música pelo apoio recebido pela FNAC (noticiado no PÚBLICO de quinta-feira), a questão assinalada por Pedro Mexia ganha uma curiosa pertinência.
É que a cultura não é apenas sinónimo de criação. Confesso, até, que sou incapaz de fundamentar a associação entre os dois termos de forma hábil. A criação pertence ao domínio do individual e a cultura ao domínio do colectivo. A criação é impositiva, a cultura é receptiva. Cultura é o que está antes e depois da criação.
Porém, tenho a certeza que cultura é sinónimo de luta e de mercado, de vontade de sedução e de domínio. Por isso, é – como, de resto, sempre foi no seu sentido contemporâneo – inseparável dos conflitos de interesses. É por isso gosto de ler notícias e colunas de opinião relacionadas com esses assuntos, particularmente quando se referem a objectos ou acontecimentos financiados com os impostos.
No entanto, também concordo com a ideia de que, se pudéssemos ficar apenas pela reflexão em torno da criação, tudo seria tão bonito como brincar sempre e viver em castelos encantados onde não têm entrada coisas feias como a política e o dinheiro.