Um conselho: não se metam à gestão universitária, porque dá nestas coisas.
Vai aqui o referido texto, que, como poderão verificar, abre várias vias para o debate.
Caríssimos,
Sou obrigado a tentar recolocar o problema que o meu texto pretende pôr em
evidência. Para isso devo salientar em primeiro lugar duas coisas: esse texto
foi escrito como ponto 1. das notas de programa da minha peça Reentering e tinha
em epígrafe uma frase do filósofo Peter Sloterdijk: "não apenas aprendizagens
positivas... ao lado há um verdadeiro curso de decepções" Segui o tal ponto um com o título conhecido: Sobre a melancolia física do artista.Se eu quisesse escrever sobre a minha melancolia teria escrito quando
muito sobre a melancolia psicológica do artista. Aliás, no texto escrevi que,
mergulhado no trabalho, no trabalho criativo que constitui a razão de ser dos
artistas fico "posto em sossego". Mas lúcido.
É curioso que o nosso melómano psiquiatra deixe escapar este pormenor. Para
além da classificação e descrição das doenças do humano, que qualquer
enciclopédia fornece - os psiquiatras, os psicanalistas sabem que as palavras
são o seu terreno de interpretação. São o seu material. Eles sabem que mais que
os sonhos interpretam a sua descrição verbal na análise.O que descrevo é uma situação real - nada psicológica, nesse sentido estrito - da situação institucional em que está a música portuguesa. Da qual o nosso dissoluto punito se encarrega de fornecer exemplos à contrario: "e estiverem tristes, oiçam o Don Giovanni do Terfel (Solti´97), As Bodas do Jacobs (´04) - galardoado com um
Grammy -, a 6ª sinfonia de Beethoven do C. Kleiber, os Concertos para violino de
Bach pela Hhan (´03), o Imperador na interpretação da dupla Rattle / Brendel."
Pois é! Deveremos pôr estes discos para evitarmos a tristeza... mas por
acaso apetecia-me ouvir outros discos. A minha melancolia física resulta do
cansaço das voltas que dou nas lojas à sua procura...Até tenho alguns dos discos citados... Mas nenhum deles altera um milímetro que seja o tal estado da música em Portugal.
Na Europa dos 15 havia 14 países que tinham Centros de Documentação
Musical. Na Europa dos 25 há 24 países. Sabem qual é o país que não tem ainda?
Acham bem? Há em Portugal alguma editora consistente de partituras? Há uma
política continuada e articulada como há na Finlândia, na Holanda, na Noruega -
para falar de países fora dos centros europeus hegemónicos - de publicação e
distribuição do trabalho dos compositores? Não há. Acham bem ? Ou terão de ir a
correr pôr um daqueles CD's para combater a tristeza súbita da verdade revelada
e tão inconscientemente aceite como natural?
Os compositores portugueses estão bem e recomendam-se. Compôe-se muito e
bastante bem em Portugal. Pelo contrário a política do Estado e das instituições
culturais é supremanente servil na aceitação do neo-colonialismo que regula a
nossa vida musical. Os sucessivos governos - que ainda por cima passam a vida a
falar da Europa, a comparar com a Europa, a estabelecer metas relacionadas com
os países europeus, etc -nem sequer formularam o que disse acima como um
problema. Que é que isso interessa, se podemos ir à Gulbenkian ouvir o Sokolov
ou Ir à Casa da Música ouvir o Brendel?
Este provincianismo oculto é enorme! Todas as programações têm como
principal objectivo apresentar "grandes nomes internacionais". De onde vêm esses
nomes? Dos países onde 1. há editoras discográficas fortes, 2. há editoras de
partituras há muitos, muitos anos...Se fizerem uma análise das programações da
Gulbenkian, etc. verão que, não raro, há uma extrema articulação entre as saídas
dos CD's e as tournées. Um exemplo tomado de empréstimo; cada novo disco do
Jordi Savall tem concerto garantido lá! É cada vez mais parecido com as tournés
da música pop! Ao CD segue-se a tournée mundial ou europeia.
Para retomar a frase de Sloterdijk, não se deve, não se pode deixar de
fazer o curso de decepções. Sob pena de vivermos num mundo regulado, controlado,
sem a menor consciência dos funcionamentos das hegemonias culturais. Estas
funcionam justamente nesse mecanismo subtil e ideológico que as fazem passar por
naturais, ou, como dizia o Guterres, é a vida!Não, não é a vida! It's the
economy stupid!Em todo o caso agradeço o que foi disseram. Há interesse,
curiosidade e nenhuma espécie de falta de respeito no que foi escrito. E nos
blogs isso é já muito.
António Pinho Vargas