2/21/2005

Erik Satie, compositeur sur-réaliste (1)


Posted by Hello

Satie, o compositor que outrora se tinha apresentado à entrada do cabaré Chat Noir como “gimnopedista”, nunca usou semelhante cartão de visita. Podemos, contudo, aventurar que não lhe teria desagradado a alcunha, sobretudo sabendo que colaborou na sua invenção. A palavra “surrealista”, no seu sentido original de “sobre-realista” ou, na formulação de Jean Cocteau, de “mais verdadeiro do que o verdadeiro”, foi inventada em 1917 por Guillaume Apollinaire, aquando da primeira apresentação do bailado Parade, com música de Satie. Cocteau imaginou um espectáculo com palhaços e acrobatas, cujo argumento era bastante simples: um circo chega à cidade, e, para atrair o público, os empresários apresentam os artistas, os quais fazem breves demonstrações dos seus respectivos números. O tema central era o da discordância entre a vida do circo e a da cidade, e, quando Cocteau disse, no dia da estreia, que Parade era um “ballet réaliste”, Apollinaire rectificou-o imediatamente: não, realista não, era “sur-réaliste”.

O bailado foi montado pela Companhia dos Bailados Russos de Serge Diaghilev, embora a concepção original da mesma fosse de Cocteau. O escritor responsabilizou-se pelo argumento, e, sobretudo, pela escolha dos seus colaboradores, reunindo no projecto algumas das mais interessantes personalidades artistas daquela época: para além de Satie, de Diaghilev e do próprio Cocteau, Pablo Picasso, o qual fez a cenografia (foto), e o coreógrafo Léonide Massine.

Foi estreado a 18 de Maio de 1917, no meio de um escândalo comparável ao provocado, quatro anos antes, por outro espectáculo produzidos por Diaghilev: Le sacre du printempsi. O visado foi sobretudo Satie, que tinha escrito uma música pobre e aparentemente anódina, cujo objectivo principal era pontuar os rápidos e variados episódios que se apresentavam no palco. Nas palavras do compositor: “Compus um fundo para certos barulhos que o libretista julga indispensáveis para especificar a atmosfera própria de cada personagem.” A partitura está organizada em sequências independentes, onde aparecem os objectos musicais mais heterogéneos, justificando, em certa medida, a pertinência do uso do adjectivo cubista para descrevê-la.

Satie não ficou, porém, refém de “Parade”. Um ano depois da sua estreia, em 1918, mostrou de novo o seu gosto pela simplicidade, no drama sinfónico para solistas e orquestra intitulado Socrate, uma encomenda da Princesa de Polignac escrita sobre excertos dos Diálogos de Platão. O Neo-classicismo tornou-se nessa temporada na palavra de ordem. Picasso tinha descoberto Roma numa das viagens que ali fizera para preparar, com Massine, o seu trabalho em Parade e Jean Cocteau defendeu no seu ensaio Le Coq et l’Arlequin, publicado no mesmo ano de 1918, o retorno ao antigo. Satie apropriou-se logo da ideia.