2/22/2005

Erik Satie, compositeur sur-réaliste (e 2)


Posted by Hello

A chegada de Tristan Tzara a Paris em 1920 abanou a elite artística da cidade. Satie, cujo humor corrosivo e absurdo datava de muito antes, encontrou no dadaísmo uma linguagem familiar. Precisamente na época em que conheceu Tzara, Satie fez, em colaboração com Darius Milhaud, a Musique d’ameublement destinada a uma peça de Max Jacob. Com a sua “música de mobiliário”, Satie pretendia “contribuir para a vida do mesmo modo que contribui uma conversa particular, um quadro numa galeria, ou a cadeira em que se está sentado, ou não.” Ele ficou, decerto, muito aborrecido quando viu o público ficar silencioso perante uma música que devia ser “não-escutada”, da mesma maneira que são “não-observados” os quadros que decoram uma casa.

Fiel a si próprio, Satie sempre escolheu a via mais radical e individualista. Em 1924, o ano do Manifesto do Surrealismo, Satie escreveu as suas últimas obras: os bailados Mercure (que reuniu de novo Satie, Picasso e Massine) e Relâche (com cenários de Francis Picabia). Ambos os bailados foram aliás duramente criticados pelo grupo surrealista, liderado por André Breton, em grande parte devido a quezílias pessoais. Em Mercure, onde não existia um libreto prévio, Satie escreveu música para um tema “puramente decorativo”, traduzindo os cenários criados por Picasso. Para Relâche, o compositor fez uma música “divertida, pornográfica”, servindo-se de temas populares, “fortemente evocadores”.

Picabia tinha dado a René Clair algumas indicações para a realização de um filme que deveria ser projectado no intevalo de Relâche, tal como se fazia habitualmente no music-hall. Daí nasceu Entr’acte (foto), cuja banda sonora é também da autoria de Satie e que foi concebido como um “entreacto às imbecilidades do quotidiano, que traduz os sonhos e os acontecimentos não materializados que se passam nos nossos cérebros”.

Satie morreu no verão de 1925. O surrealismo foi, tão só, mais uma das correntes artísticas que foram dar à sua música, sempre marcada pelo contacto permanente e frutífero com os pintores e com os escritores da sua época. O “único músico com olhos”, nas palavras de Man Ray, segundo o próprio dizia, tinha vindo “demasiado novo a um mundo demasiado velho”. Nas suas derradeiras obras, Satie apenas repetiu aquilo que sempre tinha feito: adiantar-se à história. A sua influência póstuma prova-o.