2/14/2005

O declínio do homem público


Posted by Hello

No seu blogue, o Sérgio Azevedo transcreveu ontem o seguinte texto do António Pinho Vargas:

Sobre a melancolia física do artista. Íntima e desoladamente, vou estando cada vez mais convencido da inutilidade da arte e da música no quadro do espaço-tempo em que vivo. Uma nova obra portuguesa, amputada quase sempre dos seus modos actuais de sobrevivência – a edição da partitura e a edição discográfica – destina-se à categoria de desperdício patrimonial virtual e acrescenta-se às anteriores como alimento para a persistência do secular discurso lamentoso. É tempo de considerar esta situação definitiva, irreformável. Esta não é uma boa notícia mas mais vale considerá-la verdadeira para melhor se poder interpretar a hipocrisia dos discursos oficiais de sempre e a permanência das insuficiências de todo o Séc.XX. Resta ao criador considerar a sua obra como uma carta escrita aos amigos destinada a ser lida daqui por mil anos, na melhor das hipóteses. No entanto, quando componho, sinto-me como que deslocado para fora das determinações do real e concentrado na coisa-em-si e assim posto em sossego na atitude desinteressada kantiana.
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Decidi entretanto incluir este texto em todas as notas de programa com peças minhas até chegar o improvável dia em que pense estar desactualizado. Porque na verdade as boas notícias descritas - são boas notícias, especialmente a que se refere ao que ainda não aconteceu, o Kartunnen ser solista na minha terrível nova peça - não alteram nada daquilo que enuncio no texto de Setembro de 2004. Partilho aliás a opinião de José Gil sobre a possibilidade de Portugal acabar por repetida e persistente incapacidade de se auto-governar e, em especial, com tudo o que está implícito na ideia “roubaram-me o espaço público”. Deve ser lido, mas como nos roubaram o espaço público, tenho dúvidas...


Um - entre muitos - dos talentos do António Pinho Vargas que mais aprecio é que sempre consegue incitar à reflexão a quem o escuta ou lê os seus textos. Neste caso, e por enquanto, a minha reflexão vem apenas pela lembrança deste ensaio, da autoria de Richard Sennett (reputado sociólogo que é também músico).

Admito, no entanto, que, a propósito do livro de José Gil, estou mais próxima da leitura realizada por Eduardo Cintra Torres há dias no jornal PÚBLICO (por exemplo, no que diz respeito à ligação de ensaios como este com o "excesso de identidade" dos portugueses), mas isso não invalida a sua importância.